Fugas - viagens

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Alguém pediu um Porto à medida?

Por Andreia Marques Pereira

Quisemos surpresa e acabamos numa cavalariça medieval, em rua de comércio multicultural e casas de alterne. É uma maneira nova de descobrir a cidade, com uma guia que é como uma amiga. Chama-se Porto à Porter e é um serviço turístico que não pode ser mais personalizado: é à medida de cada um.

Como mostrar o Porto a quem é do Porto? Não é tarefa fácil, porém não é tão difícil quanto Joana Vieira pensava. Afinal, conta, muitos são os portuenses que não conhecem a cidade. Para esses, continua, pensa em ruas pelas quais “passam todos os dias sem saber nada das histórias que estão por detrás de cada porta”. Tenta surpreender. E tenta surpreender-nos na tarde em que nos encontramos em frente ao Teatro Nacional São João, na Praça da Batalha, sem saber ao que vamos.

Não vamos longe. Uma rua paralela é o nosso território de exploração — Rua de Cimo de Vila. “Já foi de prostitutas e é uma das mais antigas da cidade”, anuncia com entusiasmo. Não é o programa turístico típico mas tão pouco é esse o objectivo do Porto à Porter, empresa que Joana criou há poucos meses para dar a conhecer a sua cidade, incluindo aquela que não tem lugar nos guias. Faz roteiros à medida de cada pedido com o toque personalizado de uma nativa.

Não é, portanto, uma guia turística (o marketing foi a sua vida até há poucos meses) à frente de grandes excursões: é mais uma “amiga” a mostrar a sua cidade, de forma “tranquila e caseira” a famílias, casais. Joana, 36 anos, sabe que o seu público-alvo são os estrangeiros, mas espera que também os portugueses se interessem por esse outro Porto. Não tanto a cidade histórica, mas a cidade do dia-a-dia, o actual e o do passado. 

Aqui estamos, portanto, na Rua de Cimo de Vila, que desce entre o casario apertado até se entroncar noutra rua que seguiremos até ficarmos à vista da Sé. Confessamos o nosso “conhecimento” da rua — superficial, fica claro quando escutamos que esta não só é uma das mais antigas da cidade, como foi importante porta de entrada da urbe medieval e residência da burguesia, até ao século XIX, quando se abriu ao pequeno comércio e aos artesãos.

Amália Rodrigues foi visita da rua, da Casa do Louro, tasca da sua predilecção; porém Delfim Oliveira não lhe atribui qualquer importância na “glória” da rua, que entrou em decadência, diz-nos ele e dizem outros, por volta de 1995. Está na sua Casa das Máquinas, 15 máquinas de costura, negras e letras douradas, incluindo uma “com mais de 130 anos”, para restauro, e não tem dúvidas. “Isto deu enquanto havia ‘meninas’, as pessoas vinham e não queriam dizer que vinham”, explica, “e assim sempre levavam uma máquina de costura para justificar”. Mas as “meninas” agora “são mais selectas” e na rua ficou “a terceira idade”, “à conversa” nos bares.

São os “bares”, com cortinas, os estabelecimentos mais comuns quando começamos a descer a rua, entretecendo-se com pensões e restaurantes, barbearias. A tarde vai a meio, eles estão abertos, mas enchem-se de escuridão. Na rua, “se ficarmos quietos”, aconselha Joana, ouvem-se as conversas dos vizinhos (confirma-se); vêem-se homens já aquecidos pelo álcool e mulheres sentadas nos umbrais das portas.

Da Parreira do Douro sai “música estrangeira”, “de Bragança”, brinca José Nunes, à porta. “Isto tem tendência para acabar. A juventude não entra nestas casas.” Na “sua” desde há 32 anos há duas salas: a primeira, um balcão e paredes com fotos e cachecóis portistas; a segunda tem sofás, tecidos brilhantes, bola de espelhos. A “cerveja custa três euros, nos tascos custa um”. “A diferença”, salvaguarda, “é que nesses dão tremoços a acompanhar, nós damos mulheres”.

Um pouco mais abaixo, Ali, indiano há 12 anos em Portugal, não se queixa. A sua mercearia, comprida, está a abarrotar de produtos e de cheiros intensos. A vizinhança é boa cliente mas não dos produtos que lhe dão identidade — coisas como pimenta África, gengibre, piri-piri, malagueta (“trinca trinca passa”, brinca) e até os quiabos são procurados, sobretudo, por “quem vem de fora”.

Mesmo em frente, a venerável Ordem do Terço surge numa esquina por onde se espreita o teatro São João. A fachada de azulejos azuis e brancos prolonga-se para a igreja, onde se encaixa em remates de cantaria e é memória viva da devoção destas gentes à Nossa Senhora do Terço, como recorda Joana. Afinal, a igreja foi construída (1759) para dar uma casa aos moradores que todas as noites se juntavam para rezar o terço.

Agora a igreja está fechada, mas multidões continuam a chegar à Casa Crocodilo (o dito embalsamado no tecto) em busca de produtos de cabedal e arranjos: fala-se dos reboques devido ao muito movimento; no Manuel Sapateiro, bota vermelha de cano altíssimo à porta, “para chamar a atenção”, fala-se de crise: “Só me trazem sapatos dos chineses para colar.” Às 17h, diz Manuel, já não se vê ninguém na rua, isto desde que a Rádio Popular foi embora, e depois os chineses. Já são poucos os que permanecem na rua e na zona, substituídos que foram por paquistaneses, indianos, marroquinos.

Porta sim, porta não, o negócio agora tem rostos de todo o mundo: em poucas centenas de metros, o Porto multicultural desvenda-se em lojas de roupas e de brinquedos, de marroquinaria e de acessórios de telemóveis, calculadoras e outras electrónicas, de pedras para colares. Para cima, os edifícios pintam-se de tinta descascada ou azulejos a cair, são habitações: pequenas parabólicas, bandeiras nacionais, roupa a secar; alguns estão abandonados, poucos recuperados.

Recuperada está a fonte (de 1852) no pequeno largo que se abre quando a Rua de Cimo de Vila se encontra com a Rua do Cativo e isso vê-se no novíssimo granito claro, ainda com marcas do antigo urinol que funcionou até há poucos anos. Aqui está o antigo Paço da Marquesa (de Abrantes), azulejos castanhos e verdes, agora dividido em vários estabelecimentos no rés-do-chão e, aparentemente, desocupado no andar nobre. No insuspeito número 23A, fazem taças, troféus, medalhas, e na cave guardam-se vestígios dos estábulos originais da casa, do final do século XV: lá está a rampa de pedra e as vigas, agora a enquadrar um armazém.

Do outro lado da rua, a Adega Alfredo Portista apareceu recentemente na televisão, dizem-nos, na apresentação do Grupo de Amigos das Adegas e Tascos do Porto. Hoje, o senhor Alfredo não está; estão o filho, Paulo, por detrás do balcão, e a mulher, Conceição, na cozinha. É meio da tarde mas há quem coma bacalhau; no mostruário alinham-se panados, rojões, filetes, rissóis. Como santuário portista que é, o azul e branco fazem a decoração, porém, Vítor Ventura, frequentador de há muito, assegura que todos são bem-vindos, independentemente “do clube e da política”.

Já trocámos a Rua de Cimo de Vila pela Rua Chã mas continuamos em território comercial. Os artesãos ficaram para trás e aqui seguimos entre comércio mais recente e línguas de vários cantos do mundo — o antigo fechou: vemos as fachadas da Livraria Lopes da Silva, da Farmácia Península. Da Travessa da Rua Chã, antiga Viela da Cadeia, vem cheiro imundo: percorremos-lhe uns metros e é uma “sala de chuto” ao ar livre. Mohamed, marroquino, à porta do seu Bazar Zaman, mesmo na esquina, queixa-se. “Todos os dias sou eu que chego e atiro água e lixívia. Devia ser a câmara, não é?”

A casa rosa em frente tem brasão, mas é armazém de paquistaneses; até há pouco foi casa de alterne, diz Joana. E, entretanto, já temos a Sé à vista. Não lhe chegamos a mirar o rosto, porque Joana quer levar-nos às suas traseiras. Seguimos, portanto, resvés a ela, na Rua D. Hugo. “Esta é a primeira zona habitacional de que há registo à beira da muralha”, conta, “e na biblioteca encontrei o registo da casa mais antiga”. Descobrimos um caminho nunca antes vislumbrado e mesmo quase em cima do deambulatório da Sé eis a “Casa do Beco dos Redemoinhos”, lê-se na placa, “uma das mais antigas de habitação da cidade”. É do século XIV e na fachada de pedra reconhecemos-lhe a porta em arco ogival e duas janelas no primeiro andar também góticas — nunca sonharíamos que ali estava.

A visita terminaria aqui, mas a indulgência da guia permite um pequeno devaneio nestas ruas estreitas da Sé. É assim que chegamos às Escadas das Verdades (antigas Mentiras), onde o labirinto cobre a encosta. A muralha fernandina aqui confunde-se com o granito natural portuense, a humidade entranha-se, há casas recuperadas, a maioria sobrevive precariamente.

Joana lembra-se de outro roteiro possível: as casas da muralha. Nos seus percursos que vão da Baixa do Porto até à Foz tem algumas temáticas inescapáveis: o comércio local, jardins e estátuas, igrejas e santos, o rio, o vinho e as pontes — tudo acompanhado de histórias que desenterra na biblioteca municipal. E que podem incluir refeições, em restaurante, tasca ou piquenique — e aqui entra o outro projecto de Joana Vieira, DaJoana, uma empresa de catering. E como Joana sabe que há visitantes que preferem visitar a cidade sozinhos, um dos serviços que oferece é a planificação da viagem para que “ninguém ande perdido ou gaste dinheiro em vão” — e aqui inclui coisas tão prosaicas como que transportes apanhar ou dicas sobre recantos mais ou menos secretos. Guia, amiga, concierge pessoal, cozinheira, Joana Vieira faz de tudo um pouco. Os seus preços começam nos 25 euros, com a certeza de que tem um Porto à Porter à medida de cada um.

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Site: portoaporter.com

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