Fugas - vinhos

Paulo Ricca

Continuação: página 2 de 2

Terroir, uma criação da natureza?

Quando as mudanças são recentes, são invectivadas como uma agressão à natureza e ao ambiente, como um assalto à integridade da terra. O grande terroir do Douro, na sua forma mais lata, é um dos melhores símbolos da criação humana, numa sucessão de patamares escavados e arrancados ao inferno das encostas xistosas, numa sintonia perfeita entre homem e natureza. Sem o sofrimento e a abnegação de tantas e tantas gerações de homens, o grande terroir do Douro nunca teria existido. Tal como não existiria a excelente vinha de Pechstein, uma das grandes vinhas de Pfalz, na Alemanha, individualizada pelo austero solo de basalto preto, tipificada pelos milhares de pequenos calhaus de basalto preto que ajudam a uma drenagem perfeita. permitindo ainda a retenção de calor, e posterior libertação, durante as noites frias da região. Só que, não fora a ingerência humana, a magnífica colecção de pequenas rochas de basalto preto não existiria em Pechstein. Durante séculos, pela sua condição central, a parcela onde há muito está implantada a vinha foi o local preferido para vazar o entulho da construção de casas e estradas medievais, um pequeno descampado onde se amontoaram as sobras das rochas mais pequenas, desajustadas para a construção precisamente por serem demasiado pequenas. E hoje temos um terroir que vale ouro. construído de forma fortuita pelo desleixo humano! Mesmo o Médoc, no coração de Bordéus, na região onde se situam produtores como Margaux, Lafite Rothschild, Latour ou Mouton Rothschild, no terroir tido como padrão e referência para a casta Cabernet Sauvignon, já foi em tempos terra pantanosa, drenada e reclamada nos primórdios do século XVII, por iniciativa do rei Henrique IV. Afinal, apesar de todo o romantismo inerente ao conceito, o terroir também pode ser uma composição humana.

--%>