Ressalvada a questão da decantação, não existirá, muito provavelmente, tema mais controverso no complexo mundo do vinho que a noção de terroir, essa concepção quase mística de uma ligação íntima e extrema entre a terra, a vinha e o vinho, a consciência de um vínculo empírico entre a geologia dos solos, a geografia e o microclima, a que alguns gostam ainda de acrescentar o capital humano como factor de diferenciação. Os juízos sobre a validade do conceito de terroir entremeiam entre extremos quase opostos, entre a simples e definitiva negação do conceito e a crença de que os grandes vinhos nascem exclusivamente dos grandes terroir, entre a refutação espontânea ao domínio ou sequer influência do terroir e a aceitação e valorização imediata da sua figura.
Para muitos, para uma larga maioria, a exortação do terroir transformou-se num dos palavrões mais usados e abusados do vinho, num velho cliché usado sem ponderação nem compreensão, numa palavra solta que se tornou usada e gasta, senhora de pouco sentido, vazia e sem substância.
Na verdade, não será difícil acreditar no princípio racional e académico da ideia de terroir, no fundamento que confirma que uma videira plantada num local soalheiro, em encostas drenadas e bem expostas, oferecerá necessariamente uvas substancialmente distintas de uma cepa da mesma casta plantada no fundo do vale, num vau sombreado e empapado pela água que escorre pelas encostas.
O conceito de terroir implica que cada vinha beneficie de uma combinação exclusiva e irrepetível de solos, exposição, declive, orientação, castas e clima que determinam a qualidade e o tipo de vinho que se podem produzir nesta parcela limitada.
Na sua configuração mais purista e idealista, o conceito de terroir envolve somente as características inatas da terra, segundo o princípio que, assumindo condições iguais, duas parcelas distintas darão sempre corpo a vinhos diferentes, mesmo que partilhem a mesma escolha de casta ou castas.
Porém, se o conceito nos parece tão instintivo e consequente, o seu entendimento está longe de poder ser considerado universal. Para a larga maioria dos produtores do novo mundo, a ideia de terroir não passa de uma simples fantasia, de um esquema francês onde se confundem argumentos racionais com razões de foro quase místico.
Talvez por isso a revista Economist tenha em tempos sugerido o acrónimo SCAM (fraude) para melhor definir a promessa de terroir, sarcasmo que aproveita as iniciais para formular a equação "Soil + Climate + Aspect = Mystique".
Para nós, europeus, a noção de terroir é um dado sobejamente adquirido e assumido, capaz de garantir a valorização. ou condenação de qualquer vinho, levada ao extremo nas regiões da Borgonha, Alsácia, Mosel, Rheingau, Wachau, Kamptal, Kremstal e, embora numa escala infinitamente menos explícita, nas vinhas velhas do Douro, nas parcelas há muito reservadas para o Vinho do Porto Vintage. Porém, e em contradição com a candura de argumentos europeia, quantos dos terroir que tanto valorizamos são naturais, frutos do acaso da natureza, pequenas ilhas de fascinação onde os elementos da natureza congregaram esforços? E quantos dos grandes terroir do mundo são obra do homem, produto imprevisto da audácia da humanidade? O simples acto de estabelecer uma nova vinha constitui, por si só, uma intervenção humana que institui um enorme impacto na natureza. Os solos têm de ser revolvidos e terraplanados, drenados, e, no caso das vinhas implantadas nas encostas mais íngremes, eventualmente ordenados em socalcos ou patamares. Por outras palavras, o terroir é afectado pela intervenção humana. Curiosamente, quando as mudanças impostas pela mão humana ganham a patine do tempo, suavizadas por décadas ou séculos de existência, passam a ser exaltadas como terroir natural, como património do homem e território meritório de protecção.