Fugas - vinhos

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O mais português dos vinhos australianos

Duplamente licenciado, em botânica e em enologia, mestre pela universidade de Victoria, doutorado em fisiologia das plantas pela universidade de Oxford, professor de botânica e investigador nas universidades de Adelaide e Melbourne, Bailey Carrodus resolveu abdicar da sua vivência académica brilhante para se dedicar por inteiro às suas duas grandes paixões, a vinha e a enologia.

Adoptando um exercício em tudo semelhante na prática e filosofia à epopeia de José Ramos Pinto Rosas na descoberta da Quinta da Ervamoira, Bailey Carrodus socorreu-se de cartas militares para desencantar o local onde queria plantar as suas vinhas, na velha, fresca e abandonada região de Yarra Valley, desconsiderada desde finais do século XIX aquando de uma das muitas depressões que ciclicamente se abateu sobre as vinhas australianas.

Em 1969 plantou 12 hectares de vinha nas encostas viradas a Norte de Warramate Hills, abstraindo-se de utilizar rega, um anátema para as práticas australianas, sem correcção de solos, seguindo os ideais estéticos de que menos é mais, deixando que os vinhos se fizessem numa vinha com o mínimo de intervenção possível. Maníaco do detalhe e terrivelmente exigente, obstinado como poucos, Bailey Carrodus ficou famoso pela quantidade de vinho rejeitado, aprovando uma percentagem muito pequena da produção para os seus dois vinhos estandarte, os famosos Yarra Yering Dry Red No. 1 e Yarra Yering Dry Red No. 2, respectivamente um lote de Cabernet Sauvignon, Malbec, Merlot e Petit Verdot, e um lote de Shiraz, Viognier e Marsanne, pequenas produções que rapidamente se instituíram entre os mais caros e afamados da Austrália, transformando-se em vinhos de culto.

Foi só muito mais tarde, quando conseguiu ampliar a vinha inicial para os 28 hectares, adquirindo pequenas parcelas adjacentes mais soalheiras, que Bailey Carrodus se dispôs a experimentar novas castas, principiando a aventura pelas italianas, plantando Barbera, Sangiovese e Nebbiolo, acelerando em seguida para as castas portuguesas, apalpando a Touriga Nacional, Tinto Cão, Tinta Amarela (Trincadeira), Tinta Roriz, Sousão e Alvarelhão. Como se compreenderá da escolha das castas, a intenção inicial de Bailey Carrodus transitava pela vontade de fazer um vinho do estilo Porto... mas cedo se apercebeu do enorme potencial das castas nacionais, desviando-as de imediato para um vinho tinto a que veio a chamar Yarra Yering Dry Red No. 3, precisamente com um lote destas seis castas portuguesas, com um domínio claro da Touriga Nacional que perfaz mais de dois terços do lote.

Com rendimentos baixíssimos, cerca de quatro toneladas por hectare face à média nacional australiana de 12 toneladas por hectare, a vinha plantada com as variedades nacionais foi promovida a estrela da companhia. O Yarra Yering Dry Red No. 3 da colheita 2008 é seguramente um dos vinhos australianos mais originais que provei, preto na cor e rico e sóbrio no nariz, carregado de fruta madura mas elegante, acompanhado por uma frescura épica e uns taninos sérios mas luzidios e bem-educados. Uma raridade que, apesar de alguma sensação de familiaridade com alguns vinhos do Douro, revela identidade e argumentos próprios para se diferenciar.

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