Fugas - vinhos

O mais português dos vinhos australianos

Por Rui Falcão

E se alguém lhe dissesse que um dos principais vinhos de culto australianos assenta exclusivamente em castas nacionais (Touriga Nacional, Tinto Cão, Tinta Amarela, Tinta Roriz, Sousão e Alvarelhão), acreditaria?

Apesar do inegável orgulho que sentimos pelas castas nacionais, pelas variedades portuguesas que são únicas no mundo, pelo vasto património genético que a natureza teve a bondade de nos oferecer e que o nosso isolamento político e geográfico permitiu perpetuar durante tantos anos, a verdade é que estamos cada vez mais dispostos a avaliar outras variedades, a experimentar castas provenientes de outras regiões e de outros países, ensaiando novas propostas com castas estranhas à realidade nacional.

Nomes como Syrah, Petit Verdot, Viognier ou Chardonnay há muito que deixaram de ser raros ou exóticos em Portugal, fazendo hoje parte do encepamento natural de muitas regiões nacionais, sem dramas e de forma transparente. Até mesmo a casta Alicante Bouschet, considerada como um dos expoentes máximos da viticultura nacional, assenta a sua existência numa paternidade discutível que, consoante as interpretações, poderá ser considerada como de génese francesa ou, numa alternativa mais nacionalista, como uma casta apátrida por resultar de um cruzamento forçado em laboratório.

E se hoje, nós, portugueses, apesar de determos um património ampelográfico tão rico, aproveitamos de forma legítima castas de outros países, é de esperar que os restantes países aspirem a fazer o mesmo com as nossas melhores variedades, com as castas portuguesas que tornam os nossos vinhos tão singulares. Por isso é escusado, e redutor, querer lutar pela posse de uma casta, batalhar pela substituição de nomes de castas ou pretender que as castas nacionais se mantenham de uso exclusivo lusitano, sem direito a expressão internacional.

É certo e sabido que as nossas melhores variedades começam a internacionalizar-se, que se irão cosmopolizar ainda mais num futuro próximo, e que não é utópico que um grupo restrito delas possam mesmo acabar por transformar-se em autênticas estrelas internacionais. Realidade que é hoje já hoje visível com a casta mais mediática e admirada de Portugal, a Touriga Nacional, variedade onde a procissão já saiu do adro da igreja, sendo hoje claro que a Touriga Nacional começa a conquistar protagonismo crescente nas vinhas de Espanha, Argentina, Austrália, África do Sul e Califórnia, fazendo parte dos estudos e ensaios que muitos produtores celebram nas várias regiões de muitos países europeus e do novo mundo.

E é precisamente de um desses países que adoptou de forma entusiasta a Touriga Nacional, a Austrália, que advém um dos vinhos mais perturbantes que tive ocasião de provar nos últimos meses, o Yarra Yering Dry Red No. 3. Um vinho original e de nome misterioso de um dos produtores mais interessantes e singulares da Austrália, Bailey Carrodus, fundador da Yarra Yering, um dos nomes maiores do vinho australiano, um dos raros que nunca se deixou guiar por modas. Falecido em 2008, Bailey Carrodus foi um dos grandes viticultores e enólogos da Austrália, sempre discreto, fechado no seu mundo, vivendo de cabeça, corpo e alma para as suas vinhas e os seus vinhos.

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