Fugas - vinhos

Fernando Veludo/Nfactos

Uma troika bem mais generosa

Por Rui Falcão

Um elogio rasgado aos três grandes vinhos generosos portugueses, acompanhado por uma mão-cheia de sugestões de vinhos da Madeira, Moscatel e Porto ponderados no preço, mas capazes de o levar ao céu

Os tempos não estão de feição para gastos excessivos, para o destempero do dinheiro, para as despesas fúteis e sem sentido. A crise aperta, apertará ainda mais nos tempos mais próximos, e os meses que se avizinham aconselham a uma prudência acrescida no momento e intenção de se comprometer com despesas não essenciais.

A crise, porém, não deverá servir como justificação para um afastamento do vinho, sobretudo numa época festiva como aquela que se abeira rapidamente. Sim, podemos e devemos adoptar prudência e moderação como mote de vida, livrando-nos dos excessos, mas também não devemos cortar de vez com o júbilo de uma refeição temperada com uma boa garrafa de vinho.

Um comportamento que se torna ainda mais acertado quando sabemos que, nunca como hoje, Portugal conseguiu produzir vinhos tão bons e tão variados, oriundos de todos os cantos do país, apresentados nas versões branco, rosado, tinto, espumante... ou, sobretudo, nos três grandes generosos nacionais, Madeira, Moscatel e Porto, os três ícones de Portugal, capazes de devolver um sorriso e de alegrar a alma até dos enófilos mais apertados pela crise.

E é mesmo dos vinhos generosos que trata esta crónica, dos vinhos subtis e poderosos que, invariavelmente, são relegados para o capítulo final das sugestões. Para contrariar esta impertinência apresento hoje uma selecção de vinhos generosos absolutamente imperdíveis. O primeiro deles, o Barbeito Malvasia 20 Anos lote 10292, directamente da ilha da Madeira, começa logo por nos abeirar do paraíso. De cor ambarina incrivelmente escura, austero e ríspido, pouco demora a demonstrar personalidade forte, assente nos frutos secos, na frescura desmedida da raspa de limão, na intensidade do melaço, na sensualidade dos figos e na tentação do caramelo. Profundamente mineral, supinamente fresco face à acidez intransigente, muito mais duro e seco que o esperado para a casta, termina monumental e infinito, eléctrico e irreverente, ligeiramente seco apesar da inegável doçura.

Um vinho extraordinário, a par do Blandy"s Terrantez 20 Anos, outro madeirense com indicação de 20 Anos que revela cor ambarina muito escura, entremeada por profundos reflexos acobreados. O nariz, esse, sugere notas pungentes de torrefacção, com muito café e chocolate, intervalados por insinuações de caramelo, pimenta, amêndoas torradas, mel e um leve travo final salino de maresia. Um vinho excelente na concentração e profundidade de sabores, nas notas de melaço e laranja cristalizada, revelando um final tenso e ligeiramente amargo... que lhe empresta uma graça extraordinária.

Os vinhos Moscatel prestam-se igualmente aos descritivos arrebatados, sobretudo quando nos deparamos com vinhos como o Alambre 20 Anos, da José Maria da Fonseca, um Moscatel de tonalidade ambarina e reflexos de laivos ligeiramente avermelhados. Com este Alambre 20 Anos entramos no reino da perdição, pecaminosos perante um vinho tão sensual e atraente, revestido por notas de avelãs, bolacha, casca de laranja cristalizada, tabaco, caramelo e melaço. A acidez estruturante acrescenta-lhe vivacidade, alegria e um final de boca quase interminável. Compre-o às caixas porque a relação qualidade/preço é notável, do melhor que poderá encontrar no mercado.

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