Nas histórias das grandes regiões vitícolas não faltam exemplos de recém-chegados que no espaço de uma geração deixam de ser vistos como plebeus para se tornarem figuras indiscutíveis na alta aristocracia. Paul-François Vranken foi um desses negociantes que chegou a Champagne em 1976, no princípio da explosão mundial do mercado, e no espaço de uma geração pôde começar a olhar de igual para igual a Moet ou a Pol Roger.
Se outrora os burgueses tinham de comprar um título para chegarem às corte, Vranken teve de adquirir a Pommery ao gigante de produtos de luxo Louis Vuitton Moet Hennessy para subir ao pódio. A compra foi há dez anos e, para a celebrar, os Vranken organizaram um evento para manifestar o poder de fogo dos seus vinhos. Incluindo um Porto absolutamente extraordinário.
Lugar para o evento já havia - a Villa Demoiselle, uma vivenda Art Deco do princípio do século XX escrupulosamente recuperada pelos Vranken nos últimos dez anos. E maestro para a cozinha também, depois de o chef Thierry Voisin ter aceitado o desafio de cozinhar para alguns jantares de celebração. Voisin, que, recorde-se, antes de rumar para o Imperial Hotel de Tóquio tinha já conquistado três estrelas Michelin no Les Crayères, de Reims. À partida, a conciliação já consagrada entre o champagne e a cozinha asiática augurava um casamento harmonioso; mas Voisin foi mais longe e se em alguns dos seus pratos alguns dos presentes (a comitiva portuguesa, pelo menos) não lhe teceram excessivos encómios, houve ao menos uma entrada e uma sardinha (seria talvez cavala) absolutamente geniais.
O champagne, anunciado com música e solenidade, só poderia ter sido escolhido a dedo. Não houve millésimes do século passado - apenas vinhos com dez anos -, mas nas propostas à mesa foi ainda assim possível estabelecer as diferenças entre um estilo mais ligeiro, directo e feminino dos Vranken e a solenidade e nervo dos Pommery. Entre os Clos Pompadour e o Champagne Pommery Grand Cru Millésime (50% Chardonnay) e o Vranken Cuvée Diamant (todos em magnum) foi possível detectar variações na fruta, na cremosidade ou na frescura, com os Pommery sempre a ganhar. Claro que a natureza de cada um destes vinhos foi muito bem interpretada por Thierry Voisin, mas quando se chega à sofisticação revelada pelo Grand Cru Millésime, é difícil não retirar o foco do prato e pensar na maravilha que se encontra no copo.
Com cada vez mais pessoas a dizerem em todo o mundo que o champagne é rei dos vinhos, vale ainda a pena sublinhar que vinho do Porto teve nesta cerimónia uma oportunidade de, ao menos, baralhar as certezas radicais. Já na parte das sobremesas foi servido um Rozés 1947 que deixou os presentes estarrecidos. António Saraiva, administrador da Porto Rozés, que Vranken comprou em 1999, fez as apresentações deste vinho e associou a sua data de origem ao aniversário do anfitrião.
Não precisou de muitas palavras para mostrar o que depressa se tornou óbvio: como os champagne ou os Bordéus (ou alguns outros grandes), os Porto de excelência são capazes de deixar na boca e na memória aquelas sensações extraordinárias que distinguem a genialidade das simples imitações. Os Pommery (ou os Taittinger) de tudo o resto.