Fugas - vinhos

Joana Bourgard

Cornifesto, a Baga do Douro

Por Pedro Garcias

Já ouviu falar em Cornifesto? Prepare-se: mais cedo ou mais tarde, é provável que nos rótulos de muitas garrafas de vinho tinto comece a surgir o nome desta casta.

A variedade está quase em extinção, passando pelo mesmo processo de abandono que, na década de 70 do século passado, quase levou ao desaparecimento da Touriga Nacional, hoje convertida na casta bandeira portuguesa. Mas algumas empresas do Douro, região onde o Cornifesto é comum no encepamento das vinhas velhas, têm vindo a replantá-la e a testar o seu potencial enológico - e os resultados são promissores.

Uma dessas empresas é a Real Companhia Velha, que, recentemente, realizou uma prova didáctica de 18 castas brancas e sete tintas, todas em produção nas quintas da Granja e do Cidrô. E um dos vinhos que mais surpreendeu foi precisamente um tinto de Cornifesto, da colheita de 2011. Trata-se de uma casta que produz um cacho médio e compacto, de bago negro e película grossa. O vinho é potente e algo rústico, quase selvagem. Talvez seja o mais parecido do Douro com a Baga da Bairrada, que também não é uma variedade fácil de domesticar mas que origina vinhos formidáveis e cheios de carácter. Cornifesto, a Baga do Douro? Quem sabe se este não será um dos próximos spots do vinho português!

Outra casta que pode começar a renascer é a Malvasia Preta, apesar de mostrar algum desequilíbrio nos taninos. Mas tem potencial, embora não tanto como o Rufete (a Tinta Pinheira do Dão), por exemplo, que origina vinhos de gosto muito actual: leves, vivos e cheios de fruta silvestre.

Nas variedades brancas, havia alguma expectativa sobre o valor da Touriga Franca, dada a natureza dos seus cachos, pequenos e compactos, quase sempre associados a vinhos de qualidade (a Touriga Nacional e o Viosinho são bons exemplos). Mas o vinho provado mostrou-se sensorialmente muito neutro.

Em contrapartida, ficou mais uma vez demonstrado que o Viosinho talvez seja mesmo a casta branca mais completa do Douro. Se não for vindimado tarde, pode originar mostos frescos, encorpados e complexos. A prova mostrou também que o Rabigato é uma variedade bastante mineral que cresce muito com o estágio em garrafa; que, no Douro dos cumes, a Fernão Pires ganha uma acidez que a torna muito mais atractiva do que noutras regiões do país; que a Boal (a Sémillon francesa) é uma casta excelente e com grande aptidão para a produção de vinhos doces de colheita tardia; que a Cercial da Bairrada pode produzir no Douro vinhos muito frescos e aromaticamente expressivos (apesar de não ser uma variedade do agrado de Jorge Moreira, o enólogo principal da Real Companhia Velha); e que o Sauvignon Blanc e a Viognier, plantadas em cotas mais altas, ficam mais "velho mundo" e reflectem mais o terroir do que os seus caracteres típicos.

Também parece não haver dúvidas, pelas amostras provadas e por experiências anteriores, que as castas Arinto e Alvarinho podem atingir resultados surpreendentes nas zonas planálticas do Douro. A primeira dá origem a vinhos muito puros e com uma formidável acidez; a segunda produz vinhos frescos, complexos e impressivos. Mesmo quando os volumes alcoólicos sobem um pouco, os níveis de acidez de ambas as castas, em particular da primeira, continuam a ser elevados e absolutamente incomuns para a região.

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