Fugas - vinhos

Adriano Miranda

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O conto do vigário de Rudy Kurniawan

A sua colecção particular, dizia-se, estaria repleta de vinhos improváveis e históricos que conseguia descobrir com o seu faro apurado, acumulando mais de cinquenta mil garrafas de raridades e rótulos de prestígio incontestável. Começou a oferecer garantias pessoais e bancárias contra fraudes nos vinhos que vendia, assegurando a autenticidade de todos os rótulos que colocou em leilão, deixando correr o rumor de se ter transformado num dos especialistas mais respeitados contra a então ainda incipiente falsificação de rótulos de prestígio. Nem mesmo a revelação dos seus peculiares hábitos, entre os quais a reivindicação de serem guardadas e enviadas para sua casa todas as garrafas vazias de vinhos preciosos abertas em provas e leilões, afectavam a sua honorabilidade e prestígio.

Até que o esquema morreu de vez, ainda antes da derrocada estrondosa do sistema financeiro ocidental. O declínio começou em 2007, quando um lote de vinhos seus foi retirado à última hora de um leilão influente, sob suspeita de falsificação. Mas o golpe de misericórdia surgiu em 2008, quando a prestigiada leiloeira Acker Merral & Condit colocou em leilão um lote alargado de vinhos da sua cave particular, com raridades de Domaine Ponsot, Borgonha, com um preço inicial de licitação de 600.000 dólares. O escândalo rebentou quando Laurent Ponsot, quarta geração à frente da casa, surgiu em Nova Iorque de forma intempestiva e sem ser convidado, denunciando a fraude dos vinhos em licitação. No catálogo constavam seis lotes raríssimos da vinha Clos St-Denis, incluindo alguns exemplares de colheitas entre os anos 1945 e 1971. Seriam vinhos absolutamente apetecíveis e valiosíssimos, não fora o pequeno detalhe de a tal vinha só ter passado a ser engarrafada separadamente em 1982! Do catálogo constavam ainda exemplares preciosos de Ponsot Clos de la Roche 1929, apesar de o primeiro vinho engarrafado pelo Domaine Ponsot ter nascido somente em 1934.

Por incrível que pareça, Rudy Kurniawan manteve-se em actividade até há pouco mais de um mês, insistindo no esquema, altura em que foi detido pelo FBI depois de terem sido encontradas provas materiais das suas falsificações. Para cúmulo, as autoridades descobriram que Rudy Kurniawan residia ilegalmente na Califórnia há uma década, sem visto de residência que lhe permitisse manter-se no país. Poderá um mundo de luxo e aparências que chegou a proclamar um falsário como um especialista antifraude ser encarado como um sinal de falência moral?

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