Singularidades que se apresentam simultaneamente como uma das nossas vantagens decisivas e uma das nossas maiores dificuldades. Vantagem porque conseguimos apresentar vinhos únicos que nos permitem competir num nicho de mercado onde quase não há concorrência directa, o nicho dos vinhos originais, mas simultaneamente um embaraço tremendo porque somos obrigados a ter de explicar os nossos vinhos, a fazer pedagogia vínica, a justificar e educar sobre a lógica nacional.
Um trabalho de promoção e educação sobre os vinhos nacionais que começa hoje a ser levado a cabo com diligência e sistematização, mostrando ao mundo os nossos vinhos, as nossas histórias, aquilo que nos distingue e que permite a diferenciação dos nossos vinhos face aos vinhos chilenos, franceses, sul-africanos, italianos e quejandos. Entre as originalidades que causam maior espanto e que mais nos separam do resto do mundo estão as vinhas misturadas, esse estranho mundo das vinhas velhas, sobretudo no Douro, onde as castas são dispostas numa miscelânea aleatória, onde a cada pé de vinha pode corresponder uma casta diferente, numa desordem aparente que causa confusão a um mundo tão ordenado e compartimentado.
Raramente nos apercebemos que as vinhas misturadas são uma dessas incongruências nacionais que nenhum outro país do mundo segue, uma originalidade portuguesa que causa espanto e surpresa, naquela que será uma das histórias mais interessantes que temos para contar. Num universo tão padronizado e regrado como a viticultura, a ideia de plantar uma vinha em perfeito caos, com as múltiplas castas a serem aleatoriamente misturadas, por vezes com alguns pés de vinha branca intercalada no meio de castas tintas, é uma realidade de difícil apreensão para qualquer não lusitano. Para além de uma pequeníssima mancha de vinha que sobrevive nas imediações de Viena, somos os únicos no mundo a seguir tal método e a manter tal tradição.
Que vantagens poderão existir neste método aparentemente caótico de plantar uma vinha com castas misturadas? A resposta é simples e assenta num conceito brilhante que dá pelo nome de gestão de risco. Num país com a propriedade tão fragmentada, com inúmeras regiões onde as parcelas de vinha raramente ultrapassam um hectare, seria difícil apostar numa só variedade. Bastaria um ano mau para essa variedade, um ano agrícola onde essa casta não reunisse as condições óptimas, para a colheita ficar arruinada e os rendimentos comprometidos. Por isso desde cedo se dividiu o mal pelas aldeias, plantando inúmeras castas na mesma parcela, umas mais tardias outras mais temporãs, umas mais resistentes outras mais delicadas, reduzindo o risco ao menor denominador comum. Vinhas que nos melhores casos permitem ainda elaborar vinhos completos e complexos, num equilíbrio raro entre o homem e o terroir.