Não é fácil dissertar sobre algo que colide frontalmente com a racionalidade que caracteriza o pensamento ocidental. Não é fácil avaliar os fundamentos da biodinâmica e da corrente filosófica e espiritual que sustenta a sua prática, a antroposofia, quando as suas ideias são tão inovadoras. Não é fácil adoptar uma corrente filosófica que muitas vezes se aproxima mais do esotérico e do misticismo que da lógica.
O que, sim, é realmente fácil é perder o contexto e desvalorizar os fundamentos da biodinâmica, referindo-se apenas aos aspectos mais caricatos da biodinâmica, esquecendo e desprezando o essencial, deixando unicamente sobressair o que poderá ser considerado como burlesco. É fácil esquecer o respeito para com a natureza e os elementos, esquecer os resultados das práticas naturais, condensando as atenções no oculto e na chacota, troçando do que não se compreende.
A biodinâmica é um conceito filosófico que provém da antroposofia, uma corrente filosófica iniciada nos anos vinte do século passado pelo austríaco Rudolf Steiner que, colocando os princípios de forma simplista, procura o conhecimento do ser humano, a união entre o mundo espiritual e o mundo físico. Para além da agricultura, uma preocupação tardia de Rudolf Steiner, a influência da antroposofia acabou por se alargar à medicina, artes, arquitectura e ao ensino infantil e juvenil, conhecida através da pedagogia Waldorf.
As práticas biodinâmicas modernas traduzem-se numa forma vitaminada de agricultura orgânica, a que se juntam um pouco de misticismo e considerações filosóficas. Tal como no modelo tradicional de agricultura orgânica ou biológica, a agricultura biodinâmica professa a auto-suficiência e a sustentabilidade ecológica, diferindo, no entanto, no modelo para alcançar este equilíbrio ao acrescentar considerações éticas e espirituais. Na biodinâmica, a atenção ao detalhe, o respeito pelos ritmos e ciclos da natureza, a atitude interior são condições fundamentais para as boas práticas agrícolas.
Mas a agricultura biodinâmica não se assume exactamente como um remake do espírito de Woodstock, como um grupo de excêntricos com demasiado tempo livre. Desencantados com os efeitos perversos do uso indiscriminado de adubos, herbicidas e pesticidas, com a perda de vitalidade dos solos e com a quebra mais do que evidente da biodiversidade, produtores de prestígio de todos os países do mundo juntaram-se ao movimento biodinâmico. Nomes como Leroy, Lafon, Romanée-Conti, Leflaive, Zind Humbrecht, Weinbach, Chapoutier, Didier Dagueneau, Querciabella, Hirsch, Nikolaihof, Loimer, Pingus, Alvaro Palacios, Cullen, Felton Road ou Araújo são exemplos de produtores afamados que adoptaram os procedimentos da agricultura biodinâmica na vinha. Nada mau para um movimento que alguns gostam tanto de ridicularizar...
A utilização de adubos, fertilizantes sintéticos, fungicidas, herbicidas ou pesticidas é naturalmente proscrita. Em alternativa utilizam-se diversos preparados produzidos e aplicados de acordo com os ritmos da natureza que incentivam a vida nos solos. E é precisamente no exotismo de algumas preparações que se prende grande parte da atenção e chacota mediática. Nada mais invulgar que ver um corno de vaca ser enriquecido com excrementos de vaca para ser enterrado no solo nos meses mais frios e, quatro meses mais tarde, ser desenterrado e guardado para posteriormente ser aplicado em pulverizações. É o preparado 500, uma das muitas tisanas tradicionais da agricultura biodinâmica, um dos primeiros a ser empregue na conversão à agricultura biodinâmica.