Fugas - vinhos

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Adelaide Tributa, um Porto de «joalharia» a quase 3000 euros

Por Pedro Garcias

Não é bem uma moda, mas há cada vez mais produtores a lançarem vinhos do Porto muito antigos a preços exorbitantes. A última casa a entrar neste negócio de “joalharia” vínica foi a Quinta do Vallado, que acaba de colocar no mercado o seu Adelaide Tributa, a 2950 euros a garrafa.

É uma espécie de corrida ao tesouro. Os vinhos finos de antigamente, os Porto que envelheciam em pipas avinhadas e passavam de geração para geração, estão a ser comprados por algumas empresas e a ser comercializados em edições luxuosas com ganhos colossais. Um verdadeiro negócio da China que tem a virtude de ajudar ao reforço do prestígio do vinho do Porto. São os vinhos raros e caros que fazem a fama de uma região.

O precursor deste negócio foi a casa Andressen, que, há dois anos, lançou um extraordinário Porto Colheita de 1910 ao preço de dois mil euros a garrafa de 75 cl, para celebrar o centenário da República.

Alguns meses depois, a Taylor’s lançou o Scion, um vinho com 155 anos que David Guimaraens, o enólogo da empresa, descobriu em 2008 na aldeia de Prezegueda, perto da Régua. A Taylor’s comprou os dois cascos existentes e lançou uma edição de luxo deste vinho soberbo, elevando o preço por garrafa a um valor nunca visto num Tawny desta natureza: 2500 euros.

No ano passado, a empresa Agri-Roncão seguiu o mesmo filão e lançou o seu Roncão “Vinho do Porto Muito Velho” ao preço de 1250 euros a garrafa. A maior parte do lote foi comprada a um produtor da aldeia de Covelinhas, situada na margem direita do Douro, no concelho da Régua.

A última empresa a entrar neste negócio de “joalharia” vínica foi a Quinta do Vallado, que acaba de colocar à venda o Adelaide Tributa Old Porto com um novo recorde de preço: 2950 euros a garrafa de 75cl. E já se fala que a Real Companhia Velha e o grupo Symington também se preparam para lançar edições semelhantes.

A ideia inicial do Vallado foi lançar um vinho especial para celebrar o bicentenário de Dona Antónia Adelaide Ferreira, a quem a Quinta do Vallado pertenceu. O normal seria fazê-lo com um vinho da casa, mas os vinhos do tempo da “Ferreirinha” ficaram na empresa A.A. Ferreira, vendida em 1987 à Sogrape. O vinho mais antigo que existia, com cerca de 70 anos, entrou no lote do novo Tawny 40 Anos da Quinta do Vallado. A solução foi procurar vinhos velhos em alguns produtores durienses.

Desde há séculos que perdura em muitos produtores do Douro o costume de ir acumulando colheitas para os filhos e netos. Muito desse vinho guardado em pipas vai-se evaporando — é a chamada parte dos anjos. Se os vinhos não forem regularmente refrescados (com a adição de aguardente ou a incorporação de vinhos mais novos), vão-se concentrando, ao ponto de ficarem tipo melaço, e “avinagrando”. Mas é essa acidez volátil, vulgarmente conhecida por “vinagrinho”, que dá uma segunda vida ao vinho, deixando-o picante e vibrante.

Ao Vallado foram chegando algumas amostras de vinhos com mais 100 anos, mas só duas suscitaram o entusiasmo dos responsáveis da empresa, que optaram por um vinho com origem no mesmo produtor de Covelinhas que tinha vendido o Porto velho à Agri-Roncão. É provável que o vinho original seja o mesmo, mas a Agri-Roncão juntou ao vinho de Covelinhas um vinho próprio mais novo. A Quinta do Vallado engarrafou o vinho tal e qual o comprou, sem qualquer correcção ou refresco.

Segundo o produtor, de cinco pipas de 600 litros desse vinho só sobreviveram duas. O resto evaporou-se. O Vallado comprou os dois cascos e engarrafou 1300 garrafas de 75 cl. O preço a que comprou o vinho não é conhecido, mas sabe-se que, se vender as 1300 garrafas, o lucro rondará os 2 milhões de euros.

É um negócio fabuloso, mas também é verdade que só uma casa com o nome, a história e a notoriedade nacional e internacional do Vallado pode ter a ousadia de lançar um vinho destes a quase 3000 euros a garrafa. Comparando com o preço de muitos vinhos franceses, mais novos e mais caros, o valor do Adelaide Tributa até nem é nenhuma extravagância.

Afinal de contas, estamos a falar de um vinho com mais de 100 anos (o produtor suspeita que seja de 1866), engarrafado num decanter de cristal e embalado numa caixa de madeira inspirada na nova sala de barricas da quinta. E o vinho é mesmo extraordinário.

Talvez não atinja o nível do Scion — a verdadeira quintessência de um Tawny velho. De qualquer modo, comparar os dois vinhos é o mesmo que colocar Messi em comparação com Cristiano Ronaldo. São ambos muitos bons. O Adelaide Tributa é um vinho admirável, viscoso e amplo de sabor e com um final picante e arrebatadoramente fresco. Ressuma a iodo, torrefacção, charuto, frutos secos, especiarias, e quando se leva à boca é pura volúpia que se sente. O palato entra num enorme alvoroço sensorial, esmagado pela combinação de doçura, perfume e frescura, e assim permanece durante muito tempo.

Vale os 2950 euros que custa? Um vinho vale o que um consumidor estiver disposto a pagar por ele. Pelos vistos, não faltam clientes para o Adelaide Tributa. Em apenas uma semana, o Vallado já tinha vendido 31 garrafas no mercado nacional e está prestes a assinar um contrato de venda de mais 500 garrafas para o mercado asiático.

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