Fugas - vinhos

Fabrizio Bensch/Reuters

O fim da aventura romântica da Artur Barros e Sousa

Por Pedro Garcias

A mais romântica casa de vinho Madeira, a Artur Barros e Sousa Lda, foi vendida à vizinha Pereira D’Oliveira.

O negócio, fechado há mais de dois meses, terá rondado perto de um milhão de euros. O anúncio foi feito na página do Facebook da Artur Barros e Sousa no dia 15 de Novembro, em português e inglês e de uma forma seca: “A Artur de Barros e Sousa Lda foi vendida ao Pereira D’Oliveira (Vinhos), Lda. Qualquer assunto deve ser tratado com os novos proprietários”. O post passou praticamente despercebido, merecendo apenas três comentários, todos de usuários estrangeiros, confessando a sua tristeza por este desfecho. 

Os vinhos Madeira perderam um pouco do seu glamour. Não foi a primeira casa madeirense a mudar de mãos, mas a empresa dos irmãos Artur e Edmundo Olim era especial. Os dois geriam o negócio de forma quase comovente, insistindo em práticas que as restantes companhias de vinho Madeira haviam abolido há muito tempo. Não possuíam computador, usavam um telefone quase contemporâneo de Bell, enchiam as garrafas à mão, pintavam os rótulos à mão e reaproveitavam as garrafas lavando-as também à mão. Não exportavam e as poucas centenas de garrafas que enchiam por ano eram só vendidas na loja. 

Entrar na Artur Barros e Sousa, com o seu belo pátio interior (emoldurado com algumas videiras) que liga o escritório vintage ao velho armazém onde os vinhos estagiavam, era como mergulhar num singelo museu do vinho Madeira. Dividido em três pisos povoados de teias de aranha, o armazém tinha tanto de casa de bonecas como de casa assombrada. A disposição das velhas pipas respeitava o tradicional sistema de envelhecimento de canteiro (o nome advém das vigas de madeira em que assentam): os vinhos mais novos no piso superior, mesmo junto ao telhado, para apanharem mais calor, e os vinhos mais velhos no piso inferior. 

Os vinhos Madeira são dos poucos vinhos do mundo que melhoram com os maus tratos, graças à sua fabulosa acidez. Apesar de sujeitos desde novos a temperaturas elevadas para evoluírem mais depressa, conseguem ser quase eternos. Para acelerar a evolução dos vinhos, sobretudo os mais baratos, a maioria das empresas recorre à estufagem artificial. A Artur Barros e Sousa até nisso era diferente: ufanava-se de ser a única que só usava o sistema de canteiro. 

A empresa funcionava praticamente da mesma forma desde que foi criada, em 1954, a partir da junção dos lotes de vinhos velhos que os dois irmãos possuíam. Ao longo dos anos, o stock foi sendo reposto com a produção de vinhos a partir da compra de uvas a agricultores da ilha. Mesmo que não fossem os melhores, poucos Madeira provocavam tanta emoção a beber como os vinhos da Artur Barros e Sousa, em especial os seus reservas de Terrantez, Verdelho, Sercial, Malvasia e Boal e ainda mais os raros Bastardo e Listrão, duas castas praticamente extintas na Madeira. 

O legado passa agora para a Pereira D’Oliveira, empresa também de natureza familiar que funciona mesmo na porta ao lado e que possui uma das mais extraordinárias colecções de Madeira datados e vintages velhos. Os vinhos podem estar a salvo, mas não há nada que possa preencher o vazio deixado pela saída de cena dos irmãos Artur e Edmundo Olim. Com o fim da Artur Barros e Sousa, é um pedaço da história do vinho Madeira que se extingue.

--%>