Fugas - vinhos

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A Borges está de volta ao vinho do Porto

Por Manuel Carvalho

Empresa teve de reconstruir os seus stocks em 1998. Durante anos, fez os serviços mínimos, mas duas décadas depois o esforço para renascer está a dar frutos.

A Borges é uma empresa que faz vinho do Porto há mais de 130 anos, mas o vinho do Porto que a Borges faz hoje obrigou a empresa a começar tudo de novo por volta de 1998. Confuso? Não se atendermos à mudança de donos que a empresa registou nessa data. Durante décadas, a Sociedade dos Vinhos Borges foi mais uma das empresas que capitalistas do Porto criaram no Douro na ressaca da filoxera; depois do desaparecimento dos irmãos António Nunes Borges e Francisco António Borges, o seu banco sobreviveu durante décadas até ser nacionalizado em 1975; depois, o Banco Borges e Irmão acabou nas mãos do BPI quando foi reprivatizado; a seguir, o BPI decidiu vender a empresa de vinhos às fatias e, pelo caminho, as suas grandes colheitas acabaram nos armazéns das principais companhias do sector, com destaque para a Taylor’s. No final desse processo, a marca, a Quinta da Soalheira, no Douro, e parte das instalações acabaram por ser compradas pela distribuidora de José Maria Vieira. Que teve de começar do zero.

Entrar no negócio do vinho do Porto sem ter à mão vinhos de diferentes estilos e de muitas idades é um problema complicado. Ou talvez não. Sem cascos com vinhos muito velhos à mão, o enólogo José Maria Machado teve de seguir um caminho diferente do habitual.

Claro que no portefólio da empresa não há Colheitas antigos, nem categorias especiais com 30 anos, nem sequer um Porto 20 anos — nem um vintage de 2011, ano em que a chuva arrasou as expectativas. Mas os vinhos da nova geração revelam uma identidade bem definida.

Uma identidade que, de alguma forma, é atributo de uma empresa jovem que foi obrigada a começar tudo de novo. Nos seus vinhos, que começam nas entradas de gama normais das categorias Tawny e Ruby e que chegam no máximo a um 10 anos ou, nos Ruby, a um LBV de 2010, a expressão da fruta, a rugosidade dos taninos ou a oxidação forçada são ingredientes raros. O que torna estes Porto mais delicados, mais elegantes e com mais frescura.

José Maria Machado assume os riscos de contrariar de alguma forma o que se convencionou considerar como tradição portuguesa, mas sem o verbalizar acaba também por contrariar um certo estilo britânico, que confere especial ênfase à fruta. Os seus vinhos não são prodígios no aroma — pelo contrário, alguns são até demasiado fechados —, mas caem bem na boca, apresentam um bom volume, são em geral mais secos, deixam transparecer uma acidez precisa e bem ajustada no final da prova e sustentam-se numa estrutura no geral bem conseguida. 

Claro que estes atributos são menos nítidos nas entradas de gama — um Dry White Coroa muito razoável, um tawny corrente com bom volume e acidez e um ruby que acaba por ser a aposta menos conseguida de toda a gama. Mas nas gamas reserva ou nos vinhos com indicação de idade, é fácil perceber essa preocupação em fazer vinhos do Porto mais leves, assumidamente mais ligeiros e elegantes.

O Borges White, por exemplo, é um belíssimo Porto branco que se compra por um preço muito sensato (cerca de seis euros); o Soalheiro 10 anos Branco é um vinho sofisticado, com aroma de fruta seca e uma acidez resinosa e cítrica muito apetecível (custa cerca de 20 euros); o LBV de 2010 é um óptimo exemplo de frescura e de equilíbrio (cerca de 14,50 euros); e o vintage Quinta da Soalheira segue os mesmos trilhos, embora esteja numa fase em que a intensidade da fruta ainda se sobrepõe à garra dos seus taninos e à sua acidez.

Com o grosso da sua produção baseada na Quinta da Soalheira, uma propriedade com 390 hectares que se estende pelas duas margens do rio Torto nas imediações de São João da Pesqueira, dos quais 120 hectares são vinha, a Borges é uma empresa sem os trunfos das grandes casas do vinho do Porto.

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