Elogios? Mas não sabe já toda a gente que ele era o melhor naqueles escritos sublimes que fazia com tanto gosto e amor? Que era um profundo conhecedor da nossa realidade, justo e profundamente humano?
Que o seu saber era sólido e consistente e as suas ideias claras e apetecíveis? Que o seu talento era real como o era a realidade do trabalho com que o complementava?
Falar dos momentos que tanto me enriqueceram e honraram e com que me privilegiou partilhando-os comigo?
Dizer que, cá bem no fundo, pensava ser a partir de agora o tempo, talvez mais calmo, em que poderia desfrutar do seu saber e do infinito prazer da sua companhia?
Não sei, estou sem jeito. Mas talvez a homenagem que lhe possa fazer é ler, mais uma vez, este texto sublime, que lhe pedi para escrever sobre o nosso tão querido "sabor" a Portugal.
Leiam-no e percebam aí todo o seu carácter, todo o seu saber, toda a sua força, todo o seu amor.
Recuso-me a dizer-lhe adeus. Para mim é e será sempre, Viva David !
O bom sabor de Portugal
Nós, portugueses, somos um povo possuidor de um património cultural rico, variado e original. É neste âmbito que se enquadra a nossa gastronomia a qual, como alguém escreveu, "constitui seguramente um ramo da estética e ensina a arte de viver em sociedade".
Neste particular, não nos falta nada. Temos pães feitos com farinhas de todos os melhores cereais, temos um fumeiro de uma riqueza e variedade incomuns, temos os melhores peixes e mariscos do mundo, temos algumas carnes estimáveis e dois ou três queijos de que nos podemos orgulhar. São portugueses um dos grandes vinhos do mundo, o Porto, e um conjunto de vinhos de mesa, cuja qualidade é cada vez mais reconhecida. Temos, finalmente, um modo artesão de fazer muitos dos produtos citados, que pode e deve ser valorizado neste nosso mundo globalizado. Se temos um modo de ser únicos, então faz falta que valorizemos tal característica e qualidade.
Mas se temos consciência da nossa individualidade de povo velho de muitos séculos, também temos que ter a lucidez de constatar que quase ninguém conhece o que temos de melhor nos domínios da gastronomia. Esta não pretende resolver os problemas da Humanidade. A sua função é muito mais comezinha, mas igualmente nobre: permitir que os homens se relacionem melhor e sejam mais sábios sobre um assunto que tem a ver com a sua qualidade de vida e da sociedade em que se integram, ou seja, com a sua felicidade. Um gastrónomo, quando o é em consciência, é uma espécie de guardião da integridade e da genuinidade do domínio alimentar de toda uma comunidade.
Faz também sentido chamar a atenção para o facto de, na última década, termos assistido ao aparecimento de um conjunto de cozinheiras e cozinheiros, alguns dos quais, devido ao seu talento criativo, ganharam direito ao título de chefes de cozinha, os quais, maioritariamente ancorados no melhor que tem a nossa culinária tradicional, nos posicionam num patamar que aponta para a modernidade e, até, a vanguarda.
Estamos, então, num daqueles momentos em que o que faz falta é unir vontades, boas vontades, energias, capacidade de trabalho, rigor e disciplina que nos façam dar um salto em frente. Não será tarefa fácil convencer o mundo de que Portugal é um lugar de coisas boas, originais, saborosíssimas. Mas, embora muitas vezes não pareça, nós ainda não perdemos o jeito e a capacidade para respondermos aos desafios que se nos colocam. Agora trata-se de construir uma imagem convincente do que temos de melhor nos domínios das gastronomia e vinhos, de a dar a conhecer ao mundo e às suas gentes, ganhando-as para a certeza de que o sabor de Portugal é requintado, sofisticado e cosmopolita.
{José Bento dos Santos, gastrónomo} in Público (29.04.2011)
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