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Adriano Miranda

Cemitério Staglieno de Génova, o cenário dos Joy Division

Por Luís Maio

No que toca a celebridades, o Père-Lachaise será imbatível, mas em termos de património artístico não chega aos calcanhares do Staglieno. O cemitério de Génova é o maior "museu" europeu de escultura ao ar livre, integrando perto de 7000 obras funerárias, muitas das quais absolutamente preciosas. E a sua riqueza artística é tal que rivaliza com as atracções monumentais mais populares da cidade italiana, levando o escritor Mark Twain a afirmar que "havemos de lembrá-lo muito depois de nos esquecermos dos palácios".

Inaugurado em 1850, ou seja, quase meio século depois do Père-Lachaise, o Staglieno teve origem no mesmo programa lançado por Napoleão (que no início do século dominava o norte de Itália) de descontinuar os enterros em igrejas ou nas imediações, criando em alternativa toda uma rede de parques-cemitérios. O terreno destinado ao efeito em Génova cobre uma extensa área de mais de um quilómetro quadrado, no extremo oriental da cidade, integrando uma colina íngreme. Essa analogia topográfica com a cidade dos vivos foi consagrada pelo arquitecto local Carlo Barabino, que escalonou o cemitério em socalcos, replicando o tecido de ladeiras urbanizadas a partir da frente de mar que define a cidade.

Barabino desenhou Staglieno segunda as premissas do neoclassicismo, que também enformaram os monumentos mais antigos, na maior parte construídos pelas famílias aristocráticas de Génova. Depressa, no entanto, a cidade assistiu ao apogeu da sua burguesia industriosa, que fez questão de rivalizar na ostentação com a velha aristocracia, tanto na vida como na morte. Ao neoclassicismo, a burguesia preferiu um novo estilo de arte realista, que não apenas converteu os monumentos funerários em fotografi as a três dimensões, mas lhes emprestou também traços de sensualidade e todo um reportório de valores burgueses. O crescente prestígio do Staglieno atraiu, por sua vez, os principais escultores italianos, que nele fizeram questão de deixar a sua marca, tendência que haveria de se manter até ao simbolismo, do qual também exibe um formidável corpo de obras empedernidas.

Mary Constance Lloyd, mulher de Oscar Wilde, é talvez a única estrangeira de alguma fama aqui enterrada. Já os nomes que ganharam notoriedade pelas esplêndidas obras funerárias que mandaram construir são inúmeros. É o caso por excelência de Caterina Campodonico, vendedora de nozes que passou toda a sua vida a poupar para se fazer enterrar na zona mais cara de Staglieno. Contratou ainda os serviços de L. Orengo, um dos mais prestigiados escultores da época, que a imortalizou no desempenho da sua humilde profissão. Outras obras funerárias célebres são o monumento a Francesco Oneto (1882), um anjo sexualmente ambíguo da autoria de Giulio Monteverde, e o Monumento a Salvatore e Hermann Bauer (1916), obra-prima de Giacinto Pasciuti, que combina superiormente o binómio sexo/morte.

Hoje, Staglieno é ainda um cemitério tradicional com vendedoras de flores e castanhas à porta, sobretudo frequentado por locais que vão lá para prestar homenagem aos seus. Desde os anos 80, no entanto, o cemitério de Génova passou também a atrair turistas e a "culpa" é em boa parte dos Joy Division, a banda de Manchester cujo vocalista Ian Curtis acabou por se suicidar. O seu romance com a morte ficou bem documentado nas capas dos discos da banda, nomeadamente "Love will tear us apart"(Maxi 12 polegadas) e "Closer"(segundo álbum), ambos ilustrados com fotografias de esculturas funerárias. Quando os fãs foram à procura, descobriram que ambas as fotos foram tiradas no Staglieno: a da capa do Maxi é de um anjo da autoria de O. Toso, enquanto a do LP tem a assinatura de D. Paernio. Mais recentemente, em 2003, o cemitério de Génova deu lugar à publicação de um excelente álbum documental com a assinatura do fotógrafo norte-americano Lee Friedlander.

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