Ainda que de forma marcadamente simbólica o rito de passagem temporal de mais um ano apresenta-se como uma oportunidade perfeita para algumas mudanças interiores, uma abertura para câmbios de postura e a adopção de atitudes diferentes. Poderá também ser uma oportunidade para alterar alguns dos maus hábitos do passado, para questionar alguns dos muitos lugares-comuns a que nos agarramos, tempo perfeito para alargar horizontes.
Entre as muitas resoluções vínicas exequíveis e desejáveis nesta mudança de ano contam-se algumas que se mostram prioritárias pela relevância do tema. Podemos começar por alertar para o actual monoteísmo da escolha de regiões e sugerir uma pequena mas gradual mudança de hábitos no momento de eleição das denominações de origem. Por estranho que tal se afigure num país que preza a diversidade, parece que o Portugal vinhateiro ultimamente ficou quase reduzido a duas denominações de origem, o Alentejo e Douro, as duas regiões que dominam as atenções da maioria dos enófilos… e críticos nacionais.
Ora uma das grandes vantagens competitivas e qualitativas dos vinhos portugueses é precisamente conseguir apresentar uma enorme diversidade de estilos, castas, perfis e personalidades divididas em dezenas de regiões quase antagonistas. O mundo não se resume a estas duas regiões, mesmo que nelas nasçam muitos dos grandes vinhos de Portugal. Mas felizmente também nascem dezenas de vinhos absolutamente brilhantes em regiões como Bairrada, Dão, Lisboa, Península de Setúbal, Tejo, Vinho Verde… ou mesmo fora de qualquer uma das regiões mais clássicas.
Prove com atenção o que alguns produtores estão a fazer na Beira Interior, Távora-Varosa ou mesmo Madeira e Açores. Irá ficar surpreendido! Não fique sequer preso às qualificações oficiais e aventure-se em alguns dos vinhos que estão a ser produzidos fora das regiões ou denominações legais, vinhos regionais ou ainda mais simplesmente os antigos "vinhos de mesa". Também por aqui há quem esteja a fazer grandes vinhos.
Por muito que se continue a promover a diversidade de estilos e que alguns sustentem que os vinhos brancos estão na moda a verdade é que a maioria dos enófilos nacionais infelizmente continua presa a velhos preconceitos que garantem que o vinho verdadeiro é o tinto… e que o momento certo na refeição só chega com o vinho tinto. Uma menorização de outros estilos que longe de se limitar aos vinhos brancos se estende irmãmente aos vinhos espumantes, rosados e doces. Uma realidade que a maioria de nós aceita implicitamente, seja consentindo e concordando que os vinhos brancos sejam vendidos a preços substancialmente inferiores aos vinhos tintos, seja acreditando que as castas tintas portuguesas são incomparavelmente superiores às castas brancas portuguesas.
Já todos perdemos a conta ao número de vezes que lemos e ouvimos acusações de menoridade às castas brancas portuguesas, queixas sobre o clima nacional que aparentemente seria incompatível com a elaboração de grandes brancos, denúncias sobre a falta de personalidade e frescura dos vinhos brancos portugueses. Que dizer então de castas como o Alvarinho, Loureiro, Avesso, Encruzado ou Bical, entre as melhores que conheço, só para mencionar cinco? Que dizer de alguns dos grandes Alvarinho do Monção e Melgaço, de alguns dos grandes brancos da Bairrada ou Dão, vinhos capazes de sobreviver mais de cinquenta anos em garrafa… contra os vaticínios dos pessimistas.