Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Os vinhos estão a ficar menos alcoólicos, mas a crítica continua a querer embebedar-nos

Por Pedro Garcias

Os críticos pontuam melhor os vinhos mais alcoólicos, a tendência de consumo é para vinhos com menos álcool. Em Portugal, o dilema continua por resolver.

Em linha recta, as aldeias de Trevões e Gontelho, na região do Douro, estão a um mero salto de peixe, divididas quase só pelo rio. Em Trevões, há um produtor, a Casa Brites Aguiar, que é famoso em Portugal por produzir um vinho tranquilo com 17 graus de álcool, o Bafarela 17.

Um copo deste tinto é suficiente para embededar pessoas menos habituadas, mas o vinho tornou-se num fenómeno quase religioso, comungado em mesas fartas por gente de todos os ofícios. Quando o Bafarela 17 de colheita de 2009 foi apresentado em Lisboa, juntaram-se no mesmo restaurante vários membros da “família Bafarela” vindos de diferentes pontos do país, entre os quais dois padres, dois agentes da Polícia Judiciária, um presidente de câmara e vários empresários, arquitectos e construtores. O culto é tal que o vinho esgota antes de chegar ao mercado.

Em Gontelho, na margem esquerda do Douro, mais ou menos à mesma altitude das vinhas da Casa Brites Aguiar, a Quinta do Infantado produz um vinho tinto biológico que é o oposto do Bafarela, apesar de ser feito à base da mesma casta, a Touriga Franca. O Quinta do Infantado Rótulo Verde 2009, o primeiro a sair, tinha 12% de álcool.  

Se colocarmos este vinho na mesa dos amantes do Bafarela 17, até os padres devem dizer palavras feias, ainda mais irados do que Maomé perante o toucinho. O Quinta do Infantado Rótulo Verde tem um toque verde e impressiona pela sua frescura e pureza aromática. Não é um vinho consensual, mas tem grandes amantes antre os adeptos de vinhos alternativos e autênticos, vinhos com mais acidez e menos álcool e madeira, com mais natureza e menos tecnologia. Se dermos a este grupo de consumidores o Bafarela 17, o mais provável é que o cuspam com repugnância, enjoados com tanta fruta madura e álcool.

Onde está a verdade? O filósofo dinamarquês Kierkegaard diria que é no vinho. De forma mais prosaica, o bom senso apontaria para o meio termo, para o centro, que é onde está a virtude. Não se trata de saber quem tem está certo ou errado. Cada um bebe do que gosta. Mas estes dois exemplos testemunham bem os dilemas e os paradoxos que existem no mundo do vinho.

É mais ou menos pacífico que o consumidor actual, visto aqui como uma entidade abstracta que reflecte o padrão mais comum, está a privilegiar os vinhos com menos álcool. E isto acontece na mesma altura em que a temperatura na Terra está a aumentar devido às alterações climáticas, o que tem vindo a elevar o teor alcoólico dos vinhos um pouco por todo o mundo. (Um parêntesis. Isto é o que se julgava.

Um estudo de cinco investigadores publicado há alguns meses pelo Journal of Wines Economics sugere que os rótulos dos vinhos também estão a ser manipulados para conquistar mais consumidores.

O teor de álcool que apresentam nem sempre corresponde à realidade e, grande surpresa, os maiores desvios encontram-se nos vinhos mais caros. Por exemplo, muitos vinhos californianos com 14,5% de álcool no rótulo possuem, na verdade, apenas 13% ou 13,5% de álcool.

E a conclusão a que chegaram é a de que “a mudança climática não tem sido o principal factor impulsionador do crescimento constante, sistemático e generalizado do teor de álcool do vinho”.

--%>