O maior erro que se pode cometer numa radiografia do Portugal vinícola é considerar os vinhos do Douro todos muitos iguais. Há um perfil que resulta da tradição (preferência por vinhos de lote, aposta em castas com longa história e adaptação local) e da natureza mediterrânica da região (baixa precipitação e temperaturas altas no Verão que fazem concentrar mais a fruta). Mas basta fazer uma pequena viagem pela região ou subir apenas a um dos seus miradouros para perceber que, com uma tal sucessão de montanhas e vales e alguns planaltos pelo meio, não há forma de fazer vinhos chapa 5.
O Douro é demasiado grande e diverso para produzir vinhos padronizados, de percepção imediata. Um tinto da zona da Régua é muito diferente de um tinto da zona de Foz Côa, mesmo que seja feito com castas iguais. Um branco das zonas altas de Alijó, Vila Real, Murça ou Mêda, por exemplo, é completamente distinto de um branco de uma vinha junto ao rio. Até nos vinhos do Porto são evidentes essas diferenças sub-regionais e orográficas.
Mas é verdade que os tintos do Douro, até pela sua curta história, ainda estão presos a uma certa imagem de vinhos potentes, densos, alcoólicos e quase mastigáveis. Foi este tipo de vinhos, muito apreciado pela crítica nacional e internacional (ainda hoje), que colocou o Douro no radar e deu origem a um verdadeiro “boom” de vinhos e de novos produtores na região. Em menos de três décadas, o panorama vitivinícola duriense ficou irreconhecível, para melhor. Trinta anos na história do vinho é um sopro, mas o Douro avançou mais neste curto espaço de tempo do que muitas regiões em séculos.
Depois de uma primeira revolução nos tintos, o Douro vive agora uma segunda revolução nos brancos. Quem pensava que o Douro podia fazer tudo menos grandes brancos enganou-se. A região não tem história nos brancos tranquilos, mas já fazia vinhos brancos fortificados há séculos. Como nos tintos, foi só passar da aguardentação para a fermentação completa e tirar partido das inúmeras castas já existentes (e da riqueza e diversidade das vinhas velhas). A modernização das vinhas, numa primeira fase feita a pensar apenas no vinho do Porto, deu uma ajuda; e o arcaísmo vitícola, representado pelas vinhas velhas, deu outra, deixando de ser um fardo para se converter num importante trunfo competitivo.
Porém, e por mais paradoxal que possa parecer, o Douro começa a sofrer com o seu sucesso. Como o colono perante a terra prometida, a região deslumbrou-se e andou depressa de mais. Plantou vinha em excesso, foi somando excedentes nos vinhos tranquilos e começou a baixar os preços, entrando em concorrência directa com regiões muito mais produtivas. Hoje, é possível comprar vinhos no Douro a menos de dois euros.
Mesmo assim, e apesar de a região estar cada vez mais concentrada em torno de meia dúzia de grandes companhias e de o grosso dos produtores viver em condições difíceis, face aos baixos preços a que são obrigados a vender as uvas (devido ao excesso de oferta e à quase cartelização dos preços imposta pelos grupos mais poderosos), o Douro continua a fervilhar e a atrair novos investidores e protagonistas. Quase todas as semanas chegam ao mercado novas marcas e novos vinhos. Melhor ainda: há um grupo de enólogos inconformados que não pára de experimentar e de criar vinhos diferentes. Alguns desses enólogos já estiveram na linha da frente da conversão do Douro aos vinhos tranquilos. Uns vão pela via da simplificação, voltando ao tradicional e à intervenção mínima na adega; outros procuram resgatar castas em desuso ou quasa extintas, como a Samarrinho ou a Touriga Fêmea; outros, ainda, tentam trazer para o Douro variedades com provas dadas noutras regiões, como é o caso do Alvarinho ou do Moscatel Ottonel.