Fugas - dicas dos leitores

Tahiti, a vertigem azul

Por Maria João Castro - Lisboa

Nas paisagens em tons esbatidos e detalhados dos quadros de William Hodges e do capitão Cook, ou na explosão de cores esculpidas com tinta sem escrúpulos ou preconceitos de Gauguin, ou ainda nas telas de Matisse, depuradas e intensas, o Tahiti ondula ao vento do Pacífico, na eternidade presa da tela mas que se desprende a partir da imaginação de quem contempla.

O mito do paraíso polinésio tem sido reconstruído ao longo do tempo. Depois dos marinheiros, foi a vez dos escritores fazerem fama do arquipélago: Herman Melville, Robert Louis Stevenson, Pierre Loti, Jack London e Victor Segalen. A influência progressiva de outros artistas - nomeadamente Jacques Brel, que ajudou a criar e preservar a imagem de paraíso sonhado: o lugar que de algum modo rompia com todos os modelos ocidentais. Todos eles, contribuíram sem dúvida, para a criação de um Shangri-lá tropical.

Aeroporto internacional de Faaa de Papeete. Os sentidos confirmam que o paraíso existe. A pé, percorremos a curta distância entre o avião e a alfândega: o cheiro a querosene dos motores mistura-se com o cheiro do verde da vegetação luxuriante e húmida.

Avenida Pomare, a principal de Papeete, o Museu da Pérola Negra, a catedral, o mercado. Papeete é uma cidade anónima, encolhida entre as  encostas do vulcão Aorai e o porto. A primeira impressão é de rebuliço de cidade. Muito movimentada, vive em Papeete quase metade da população de todas as ilhas e a zona do porto marítimo, à volta da qual tudo acontece, é agradável para um primeiro passeio de reconhecimento.

Depois de reconhecida a capital do Tahiti, alugamos um carro e partimos à descoberta do resto da ilha. A primeira paragem é no Marae (altar) de Arahurahu, um dos mais importantes e antigos da ilha. Desfi-la depois a gruta Mara´a, rodeada de um fresco jardim. Pouco quilómetros depois, o Museu Gauguin: no seu jardins, figuras em pedra, com alguns metros de altura, conferem ao espaço um ar místico e religioso. Ao lado do museu, o Jardim Botânico e um pouco mais à frente o istmo de Tavarao. Toda esta estrada que fizemos ao longo da costa oeste da ilha apresenta-nos praias.

Rumores de águas anunciam cascatas, que se desprendem de paredes basálticas para pequenosn lagos esmeralda. São as cascatas de Faarumai, estas já na costa este da ilha e um pouco para o interior. Enquanto me é dado apreciar este cenário, uma chuva tropical abate-se sobre nós: grossas gotas de água caem ininterruptamente. Parece que as cascatas se elevam até ao céu e caem agora daí.

Tudo à nossa volta é verde e está molhado: água e vegetação. Nada mais. Por toda a paisagem reina o mais quieto repouso, que quase se teme estragar, não fosse, como nos jardins encantados dos contos de fadas, um só ruído quebrar o encanto.

Papeete de novo. Tudo parece estar no sítio próprio. Os restantes dias são passados a mergulhar num Pacífico verde-esmeralda ou azul-turquesa... numa espécie de vertigem enfeitiçada.

No horizonte o sol esconde-se devagar atrás do cume da ilha de Moorea. Na memória remoem as palavras de Paul-Robert Thomas: "La lune se pend aux cimes noires de l´ombre tentaculaire de l´île de Moorea". Essas mesmas montanhas que nas obras de Gauguin se mostram azuis, violetas, alaranjadas ou ocres, segundo os reflexos do dia, revelam-se agora amareladas e acastanhadas pelo entardecer dos dias que caem suaves.

Um torpor lânguido desce sobre mim, tornando lassos os gestos e os pensamentos. Dou duas braçadas nas águas tépidas e transparentes imaginando as bravuras do oceano que ficam longe, a algumas centenas de metros, contidas pelo recife de corais, num trabalho de milhões de anos.

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