Fugas - dicas dos leitores

"Mionga" - O sabor de Angolares

Por Isabel Braz

Em Angolares todos falavam do Nelito. A sua história corria de boca em boca como se se tratasse de um épico africano. Nelito, protagonista, mártir e herói local, havia sabido dar a volta à injustiça e às forças maléficas que, de uma certa Roça colonial no alto da colina, deitavam o olho aos habitantes da cidade e à Baía de Angolares.

Ao segundo dia no distrito de Caué não contive a curiosidade e decidi ir ao encontro desse homem que ocupava na minha imaginação o lugar de super-herói santomense. O seu restaurante, "Mionga" (que em angolar significa mar) fica justamente sobre a bela baía de Angolares onde o mar embate levemente na areia escura e os pescadores arrumam canoas debaixo de palmeiras alinhadas na costa.

Chegámos à tardinha, quando o sol inicia o poente atrás da linha do Equador. Nelito está ausente e é a sua esposa, Kella, que nos recebe na pequena casa de madeira pintada de azul. As mesas, cobertas por coloridos panos africanos, esperam leve-leve pelos clientes que gradualmente começam a conhecer e a apreciar este local encantador. Nas paredes estão penduradas máscaras de madeira da autoria de Nelito. Além do dom para a cozinha, o talento inato de Nelito para a arte já o levou a participar em duas edições da Bienal de Arte de S. Tomé e a concretizar três exposições individuais na capital da ilha.

Encomendamos mariscos para o dia seguinte, altura em que regressamos para finalmente conhecer Nelito Pereira. Hoje é ele quem confecciona os pratos que nos vão chegando à mesa: Atum com Pepino em marinada de lima, Bolinhos de Peixinho, Molho de Ostras e Choco Guisado com tomate acompanhado com fruta-pão frita. Regamos com Rosenda, a cerveja local.
Para sobremesa é servida banana-prata frita em açúcar à qual Nelito adiciona um "cheirinho" de whisky. De lamber os dedos e chorar por mais. Pé ante pé, Nelito aproxima-se da mesa e pergunta se está tudo bem. Está tudo mais que bem e, contrariando a timidez do nosso anfitrião, atrevo-me a algumas perguntas. Começo pelo paladar e questiono Nelito sobre a confecção e ingredientes dos pratos que acabamos de degustar.

Segundo ele, tudo é feito com muita calma e carinho. "Vai-se mexendo, mexendo... deixando refinar... pouco a pouco, pouco a pouco..." explica Nelito, com voz tranquila, reproduzindo os gestos que emprega quando está a cozinhar. "Uso muitas ervas de cheiro... flor-de-mosquito, por exemplo, e adapto algumas receitas deixadas pelos portugueses... cada pessoa têm a sua maneira especial para a cozinha. Eu tenho a minha...". A experiência profissional de Nelito na área da restauração passa por três anos no antigo hotel "Rota de África", no Ilhéu das Rolas (hoje Island Resort Pestana), e três anos e meio entre os tachos da Roça de S. João. Iniciou o seu negócio no quintal da sua casa, em plena cidade de Angolares, e concretizou um sonho com a abertura do "Mionga". O próximo passo será a construção de quatro quartos, ali mesmo ao lado do restaurante, na descida verdejante para a praia.

As histórias que andam de boca em boca nas ruas estreitas de Angolares e a minha imaginação estavam absolutamente correctas: Nelito é um verdadeiro herói santomense. Dele emana uma aura de humildade e empreendedorismo capaz de derrotar qualquer homem. O seu amor e empenho no negócio que acaba de iniciar são um exemplo de coragem e determinação para todos aqueles que o conhecem.

--%>