Foi em 1831 que o rei Minh Mang deu o nome à cidade que significa "dentro do rio" (ha significa rio e noi dentro). Cidade com dois milhões de motorizadas, num movimento aparentemente desordenado e esfumado, Hanói é, no entanto, pacata quando comparada com Ho Chi Minh.
O céu está de um azul impassível e o lago corre indiferente, contido nas margens. Desde o primeiro dia de estada, desfilam as horas e as maravilhas deste extremo oriente sorridente. O palácio presidencial, onde, por entre o jardim exuberante, se abre a modesta casa de Ho Chi Minh, mais à frente o Pagode de Pilar Único, edifício que assenta num lago onde flores de lótus emolduram a sua estrutura. Por entre uma nuvem de fumo de incenso perfumado, um sorriso de madeira apazigua todo o lugar.
Em contraste com a calma emanada do templo, mergulhamos agora na zona antiga da cidade, de "bicitáxi". O bairro envelhecido da cidadela com as suas lojas todas abertas, as suas gentes a comerem sentados na rua, as crianças a brincarem, é um lugar que fervilha de vida e onde se sente mais o respirar da cidade. Estas ruelas que passam velozes a meu lado sussurram vícios e tentações que se fixam nas minhas retinas em imagens desfocadas e imprecisas, por entre o zumbido imparável das motos.
Depois de um belo repasto, um luar prateado prolonga a noite. Finalmente o regresso pelo lago Hoan Kiem, por entre bairros fechados em si mesmos pela noite ou pelo pudor. Um velhote sorri-me do outro lado da rua: olha-me como se as riquezas de outrora estivessem perdidas. Olha de novo para mim, sorri ligeiramente e abala para dentro de uma porta velha e suja. Regresso ao quarto minúsculo e despido de conforto.
New day. Saída às sete e meia da manhã até ao mercado. No regresso da passeata matinal, faz-se tai chi chuang no jardim da cidade. Os dias sucedem-se sem pressas. Visito o lago Ho Tay com os seus batéis a imitar cisnes brancos, o pagode Tran Quoc, o mais antigo da cidade, o templo de Quan Thanh, o Templo da Literatura, que funcionou como centro de aprendizagem por mais de sete séculos. Segue-se o templo Quan Thanh, Ho Tay, a ponte vermelha The Huc no Kiem Lake até ao templo do Monte Jade com o seu pagode de pedra Thap Rua no meio do lago. O cheiro forte do incenso perfila todos estes lugares.
Hora de retemperar forças, hora desejada. A simpatia regada com uma certa humildade é uma constante por estas bandas. Agarro nos pauzinhos e ataco os pratos fumegantes à minha frente. Sobram fotografias desfocadas de um jantar temático, feito na cobertura de um último andar forrado a madeira e com janelões que deixam entrar o barulho da persistente chuva.
A noite cai, mas o sono não vem. Às quatro da manhã, e percebendo que não vou dormir tão cedo, sento-me a escrever; ao menos torno a insónia produtiva. Como companhia, tenho uma chuva miudinha e uma humidade que entra pela janela do quarto e que convidam ao recolhimento.
Digo adeus à cidade dos dragões que flutuam empoleirados nos telhados num limbo de letargia e numa dignidade imperturbável. As coisas continuarão iguais, apenas transfiguradas pela ferrugem do tempo.