Fugas - dicas dos leitores

O inimaginável lago Titicaca

Por Maria Clara Costa

Nos anos 60/70, nos concursos televisivos, era frequente perguntarem onde ficava o lago Titicaca. Soube assim da sua existência, da sua localização e registei-o no meu imaginário. Passados muitos anos, verifiquei que a realidade é simplesmente inimaginável.

Para lá chegarmos, saímos de Cuzco de manhã cedo com destino a Puno no comboio Coche Inka, daqueles que têm uma plataforma descoberta na última carruagem, tipo varanda, para podermos sentir o ar fresco e melhor apreciarmos a paisagem andina. Na semana anterior, a zona de Juliaca tinha atingido cerca de 23º negativos e talvez por isso percorremos quilómetros e quilómetros vendo apenas uma paisagem cor de palha, tipo carpete dourada estendida ao infinito. E o comboio ia parando em cada localidade para que os artesãos vendessem o seu colorido e fofo artesanato.

Entretanto, observávamos alpacas e lamas a pastarem no sossego dos campos ou apenas a decorarem aquela paisagem nua de vegetação verde. Chegámos já noite a Puno e só no dia seguinte realizei o velho sonho de ter na minha frente o lago navegável mais alto do planeta (3812 m), o lago onde, segundo a lenda, não só nasceu o mundo, mas também o grandioso Império Inca. O meu olhar perdeu-se no azul profundo da sua água quando embarcámos numa típica canoa construída do junco que sai das suas entranhas.

Visitámos uma das ilhas flutuantes dos Uros, tribo das mais antigas da América, que mantém as suas tradições milenares e ali vive, alimentando-se do peixe e do junco abundantes naquelas águas. A própria ilha é formada de várias camadas de junco e o seu movimento é controlado por âncoras atiradas ao fundo do lago. Ao caminharmos sobre ela, para visitarmos a igreja, a escola, habitações e até um museu, tudo construído da mesma matéria prima (junco) sente-se, devido à flexibilidade do piso, um certo desequilíbrio, é como se caminhássemos em cima de um colchão.

A seguir, como este lago se estende à Bolívia, partimos de autocarro para Copacabana. Aqui iniciámos um cruzeiro no Titicaca boliviano e visitámos o complexo Inti Wata na ilha do Sol, antigo centro de peregrinação religiosa. Subimos a íngreme escadaria pré-colombiana até à fonte dos três jorros de água que simbolizam não ser: ladrão, mentiroso e preguiçoso. E continuámos a subida até aos 3960m. A recompensa foi recebermos a bênção do Kallawaya num lugar sagrado e numa mística e ancestral cerimónia, enquanto desfrutávamos duma deslumbrante vista para a ilha da Lua e picos nevados da Cordilheira oriental.

Foi com emoção, e de alma lavada, que nos despedimos do Titicaca e seguimos viagem rumo a La Paz.

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