Fugas - dicas dos leitores

"Zindabad Hindustan!"

Por Isabel Braz

Wagah, fronteira indo-Paquistanesa. Logo a seguir ao animador de serviço gritar ao microfone: "Zindabad", a multidão grita em uníssono: "Hindustan!" Os mais de 40 graus que se fazem sentir neste fim de tarde glorioso aquecem ânimos (já por si a ferver) e deixam-me em perfeito delírio.

De bandeirinha tricolor em riste, deixo-me levar pelo clamor da multidão exaltada: "Zindabad Hindustan! Zindabad Hindustan!" Neste momento ainda não sei que "zindabad" quer dizer viva, mas não importa. Estou com a turba de pedra e cal.

A 100 metros de distância - logo a seguir a dois metros de terra de ninguém -, numas outras bancadas praticamente vazias, onde se segregam géneros, grita-se: "Zindabad Paquistan!". Os espíritos patrióticos elevam-se de ambos os lados da fronteira.

Assistimos ao render da guarda de dois lendários arqui-inimigos: Índia e Paquistão. Soldados altos, pertencentes às indianas Border Security Forces e aos Pakistan Rangers, são escolhidos a dedo para o espectáculo (porque se trata de um espectáculo e nada mais), trajando uniformes elaborados e praticamente iguais, botas brilhantes e turbantes encimados por uma espécie de leque

"Zindabad Hindustan!". Entre o brado repetitivo e hipnótico, dançam-se e cantam-se músicas ao estilo de Bollywood e espera-se em fila indiana para ostentar orgulhosamente nas mãos uma grande bandeira da pátria amada. O animador dá por finda a introdução, a música emudece e sucede-se um silêncio sepulcral. Parece que agora é que é.

Dois soldados gritam e erguem as pernas até tocarem com os joelhos no nariz. Em seguida, marcham apressadamente em direcção aos portões abertos e a dois dos seus opositores. Param subitamente quando se encontram face a face e batem com os pés no chão. De punhos fechados, erguem o dedo médio, lançam olhares ameaçadores e carregam as expressões de ódio. Homens na audiência assobiam e senhoras recatadas escondem os sorrisos debaixo dos saris. Apesar de sabermos que se trata apenas de teatro, paira no ar a ameaça de uma possível escalada de paixões nacionalistas. À hora marcada, as duas bandeiras são descidas ao mesmo tempo, para que nenhuma ascenda sobre a outra, e os portões fronteiriços fecham-se com estrondo. A multidão aplaude.

Wagah é a fronteira da estrada principal que liga a Índia ao Paquistão. São 30 minutos de carro, desde Amristar, onde nos deslumbramos com os exuberantes campos de cultivo que dão fama ao Punjab, celeiro da Índia e o estado mais afectado pela Linha da Partição.

Desde 1959 que, todos os dias, a Índia e o Paquistão aproveitam as suas diferenças para encher bancadas de gente, vender bandeiras, pipocas, balões e algodão doce. E é nestes entardeceres perpétuos que duas nações (outrora só uma) ritualizam as tensões existentes entre si.

Quando a cerimónia termina, espectadores curiosos aproximam-se dos portões fechados para espreitar e acenar para o outro lado. O espectáculo aproximou-os dos seus vizinhos paquistaneses. Misturou-lhes as mesmas emoções que há 64 anos mantêm a fronteira selada.  

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