Fugas - dicas dos leitores

Metelkova: cores, lixo, loucura e arte na Eslovénia

Por Marta Frankenberg-Garcia

Numa loja bafienta de CD e vinis em Ljubljana, perguntei se havia algum clube de jazz ou algum sítio onde assistir a música ao vivo na cidade. Recomendaram-me ir a Metelkova, um antigo bairro de barracas militares das Forças Armadas jugoslavas, agora convertido num centro de expressão artística a vários níveis, de maneira mais ou menos independente.
Não surgiu oportunidade de lá ir de noite, mas no dia seguinte tinha uma longa espera por um comboio até Budapeste; de manhã, saí do centro histórico de Ljubljana para o quase subúrbio onde é Metelkova.

O dia estava cinzento, não muito frio. Antes de chegar ao centro do bairro, deparo-me com um hostel, vermelho vivo, laranja, escandalosamente colorido para aquele dia. Uma observação mais atenta revelou janelas gradeadas, um jardim com esculturas alternativas e um cartaz à porta anunciando visitas guiadas à antiga prisão. Um hostel que foi uma prisão.

Dois passos à frente, entrei numa viagem psicadélica pelos anos sessenta. O dia deixou rapidamente de ser cinzento, para ser de todas as cores ao mesmo tempo. O cheiro chegou antes da visão - o cheiro da manhã seguinte, o cheiro a urina, álcool e fumo. As paredes grafitadas com insultos, dedicatórias, histórias, conselhos ou apenas assinaturas até não haver um espaço livre nos muros, nas casas, nos bancos, até no chão. Uma praça a explodir de cores e formatos, e, àquela hora, uma praça completamente deserta. Uma gravação antiga de uma música dos Beatles a soar por detrás de um portão de metal trancado com um cadeado pesado. À parte disso, movimento zero.

Por todos os lados da praça havia pequenos montes de detritos que restaram da noite anterior; beatas, copos de plástico, latas de cerveja, garrafas de vodka, tudo assim em grupinhos mais ou menos regulares, a cada par de metros, talvez. Alguém andara a limpar decerto, mas deixara a tarefa a meio.

As cores, os montes de lixo, a praça deserta. Os barracões, outrora de guerra, agora ocupados com galerias de arte, bares improvisados, salas de concerto, e, provavelmente, muitas outras funções que não se viam às onze da manhã de um domingo, estavam decorados, todos, sem excepção, de maneira macabra. Um deles tinha um emaranhado de cadáveres esculpidos na fachada, os detalhes de suas caras apurados ao pormenor, quase que os sentia gritar comigo, apesar do silêncio sepulcral à minha volta. Outro um mural de mosaicos de todas as cores, com a imagem de Jesus no centro, acompanhada da mensagem Jesus loves acid. Outro, um portão feito de bicicletas velhas. Uma inscrição na parede, ao lado de outro portão trancado, a perguntar Je tukaj? [é aqui?].

É aqui. As cores, os montes de lixo, a loucura, a arte, os meus passos o único som na praça deserta.

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