Fugas - dicas dos leitores

Turquia pela calada da noite

Por José A. Henriques

As rodas no avião da Turkish Airlines beijam o asfalto, eles juntam os seus lábios, sorriem, acabam de pisar solo turco. Do imaginário sonho longínquo fez-se realidade presente, chegaram a Istambul.

A noite chegara e com ela a misteriosa cidade escondeu-se por detrás de um ambiente de sonho e de lenda. Os dois viajantes deambularam pelo bairro Beyoǧlu, numa íngreme colina a norte do Corno de Ouro, ao acaso, pelo passado e pelo presente da cidade.

Por entre uma multidão infinita foram sugados por toda a Istiklâl Caddesi, uma rua comprida de lojas, restaurantes, mesquitas, bares, música ao vivo, uma artéria estreita onde um eléctrico antigo faz o seu percurso, mas a pé é mais estimulante e belo, principalmente de mão dada.

Na manhã seguinte as nuvens misturaram-se com a ondulação do Bósforo, num azul ténue e esverdeado. Embarcam no cais de Eminönü, num ferry praticamente só para eles, onde o Aynacioģlu os levou a navegar rio acima, num maravilhoso cruzeiro unindo os lados asiático e europeu. Neste observaram o Palácio de Dolmabahçe, um opulento palácio barroco do século XIX, um símbolo da grandiosidade otomana; passaram pela Ponte do Bósforo e uma outra, mais estreita, a Fatih Sultan Mehmet, e pela imponente Fortaleza da Europa, construída em 1452 como prelúdio da invasão de Constantinopla.

Já de regresso, pela margem asiática, viram o Palácio de Beylerbeyi, as Mesquitas de Ískele e Semsi Paşa e passaram junto da Torre de Leandro, um ilhéu na costa de Üsküdar, a chamada torre branca, datada do século XVIII. No maior dos sossegos e descontracções, regressaram a terra segura. 

Nos dias seguintes fizeram mais de dois mil quilómetros, entre Ancara, Capadócia, Konya, Pamukkale, Éfeso e Izmir. Regressaram a Istambul, num fim de tarde, onde alfarrabistas idosos, barbeiros, marinheiros, crianças, mulheres de lenço islâmico, músicos ou mendigos, vendedores de postais ilustrados e de lâminas de barbear, de pãezinhos de sésamo, de milho amarelo vivo ou melancia vermelha, de mexilhões recheados, de lenços de papel, de pantufas, de facas e garfos, de gelados, de artigos de mercearia, de brinquedos, de água, de soda, xaropes, de doçarias, vendedores de grão-de-bico, de gomas, de chás, ou de esperanças, pareciam estar sempre no mesmo sítio há mais de uma centena de anos com o seu sorriso sempre juvenil.

Despediram-se da beleza dos bairros que moram à beira do Bósforo, dos piqueniques dominicais, dos jardins recheados de tulipas, dos mercados e bazares, dos encantos singulares, dos menus dos restaurantes, das multidões apertadas, dos homens pescando na ponte de Galata, dos olhares vigilantes estendidos entre os minaretes na Praça de Sultanahmet.

Não tiveram tempo para tomar o pulso à cidade, à "capital do mundo", às ruelas, aos becos, às praças, às cores, aos aromas e aos sons de Istambul.

O seu mistério permanecerá até ao dia em que voltarem como se fossem dois viajantes istambulenses...

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