Fugas - dicas dos leitores

Panamá, a patrulha das tartarugas

Por Isabel Braz

Os dez voluntários chegaram de barco, a deslizar pelo entardecer do mangal. Don Juan Ramos e a sua equipa recebem-nos com sorrisos e um discurso de boas-vindas, como fazem a todos aqueles que visitam o pantanal San San Pond Sack.

Designado área protegida em 1994, San San estende-se por mais de 16 mil hectares que dão abrigo a uma imensa fauna tropical. Entre preguiças e manatins (ou peixes-boi),  são as tartarugas marinhas que aqui ocupam lugar de destaque. É pela maior da sua espécie, a tartaruga baula, que os voluntários hoje cá estão.

Na verdade, os voluntários foram pagos para aqui estar. Mas esta noite marcará o início de uma mudança na percepção destes homens e mulheres. Uma mudança que se deve a um puro acaso, a uma colisão fortuita entre uma espécie animal em vias de extinção e a consciência pesada de uma das mais conhecidas bananeiras do mundo.

Os químicos despejados nas águas frescas do San San são compensados com uma cedência ocasional de trabalhadores nos meses que marcam a chegada das tartarugas gigantes. Don Juan e a organização para a qual trabalha (www.aamvecona.com) agradecem.

Com um apoio financeiro estatal a rondar os 500 dólares/ano, toda a ajuda é bem-vinda. A protecção da baula e dos seus ovos é vital para a sobrevivência da espécie. Infelizmente, ainda há quem acredite nas propriedades medicinais e afrodisíacas da carne e ovos da baula...

Don Juan designa as quatro patrulhas que, entre as 20h e as 4h, calcorrearão os 10kms de praia selvagem eleitos por centenas de baulas para desovar.

Às 19h30, Evelyn toma as rédeas da situação. Durante meia hora fala do projecto que protege e monitoriza a baula, explica em detalhe hábitos e características da espécie, define regras para o patrulhamento. Toca no fundo do coração. Trata as tartarugas por amiga e assiste-as no "parto". Saímos atrás dela. Somos seis, vestidos de negro para que as baula não nos confundam com a espuma das ondas.

A lua fixou o quarto crescente no céu, limpo e estrelado, e ilumina o areal. Ao sexto quilómetro avistamos a primeira tartaruga que regressa ao mar, sem nidificar. Minutos depois, a segunda, uma noviça que desova pela primeira vez. Terá entre os 10 e 25 anos e a carapaça mede 1,14m de comprimento. É-lhe colocado um chip e uma placa identificativa. Resgatamos os ovos que mais tarde enterraremos cuidadosamente no viveiro. Deixamo-la tapar o ninho e asseguramo-nos que regressa ao mar em segurança.

Antes de se esgotar o tempo, avistamos a terceira. Linda, enorme. 1,80m de carapaça, pelo menos 80 anos de idade. Evelyn posiciona-se para recolher os ovos e cede-nos luvas de látex para que lhe possamos tocar. Os voluntários emocionam-se, fazem perguntas, desdobram-se para ajudar. Talvez um dia regressem a San San, sem que haja uma bananeira atrás das suas intenções.

A baula voltará, ano após ano... As tartarugas regressam sempre à praia onde nasceram.

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