Fugas - dicas dos leitores

Macau à socapa

Por Marcos Fernandes

A primeira impressão de Macau estampa-se na face logo ao colocar o pé fora do aeroporto de Hong Kong. O calor e a humidade exageram, e sentimos uma espécie de viscosidade no rosto e uma pressão intensa do ar pesado.

O ferry que nos vai levar à antiga colónia portuguesa está logo ali e, apesar da distância considerável, a veloz embarcação faz a viagem num piscar de olhos. Da janela compreendemos porquê. Os ferries voam sob a água. Em Macau, à chegada, no cais, há um corrupio de homens, notoriamente empresários, que fazem escala de outros ferries de Hong Kong para os táxis que os levem aos casinos. É final da tarde, e será ao redor de mesas de jogo que vão passar a noite, para de manhã bem cedo, os vermos a apanhar o barco de regresso ao mundo real.

O nosso destino é outro. São as ruas de Macau. Começamos pelo centro histórico que se expande a partir do Largo do Senado, com os pitorescos e coloridos edifícios coloniais, e a calçada portuguesa que neles se espraia, em ondas de pedra preta e branca. Agora que nos adaptamos à humidade, estranhamos a paisagem, com um vaivém de pessoas de olhos rasgados num local que mais parece saído de uma velha vila do interior de Portugal.

Essa mistura entre Oriente e a antiga metrópole está por todo o lado. Encontra-se, por exemplo, junto à barroca fachada de São Paulo e à Fortaleza do Monte, cenário de postais mas que é vizinho de lojas com gigantes caracteres cantonenses e de venda ambulante de alimentos picantes.

O cruzamento do Oriente com Ocidente está também no Parque Luís Camões, um pequeno éden numa zona residencial, onde velhos fazem ecoar música de estranhos instrumentos, e novos pulam, correm, caem, e retomam o ciclo de brincadeira. Até na comida - nas natas, por exemplo -, se confundem paladares de dois mundos. As natas são apresentadas como irmãs dos nossos pastéis de Belém mas mais parecem primos afastados.

Porém, é certo, facilmente se consegue filtrar o que imaginamos como tipicamente oriental. No templo de A-Ma, por exemplo, junto ao delta do rio das Pérolas, muitos acendem incenso para prestar culto à deusa que outrora protegia os pescadores.

Ritual semelhante se vê noutros templos taoistas e budistas espalhados por Macau, bem como na Taipa e em Coloane, no sul do Região Administrativa Especial. E vive-se lentamente, da mesma forma que o incenso se esfuma.

Há um sentimento de paz, de vagar, que ora se traduz nos escriturários que se juntam ao final do dia para fazer tai chi na Fortaleza do Monte, como em transeuntes que se sentam em bancos públicos para descansar, e descaem para um sono profundo.

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