Fugas - dicas dos leitores

Caminhando sobre água

Por Daniel Gomes

Na Áustria, no lago à beira de Zell am See, uma aventura, curta mas intensa: atravessar aquele grande espelho de água congelada, pé ante pé...

Ténis Nike não são definitivamente o calçado apropriado para atravessar um lago congelado e coberto de neve. Apercebo-me disto apenas quando chego à borda do mesmo, claro está. É, no entanto, tarde de mais: a mente está decidida, os pés irão ter que sofrer para concretizar esta pequena aventura.

Tudo começou com o espanto: na chegada a Zell am See o enorme lago está congelado! A cor que se espera ver, o azul ou verde da água, dá agora lugar a um imaculado branco, que se estende numa área enorme, como que um planalto perfeitamente liso. Em todo o seu redor elevam-se os Alpes austríacos, que dão à paisagem um impacto ainda maior, associando este espaço central a uma paz e tranquilidade que as irregulares montanhas não possuem. O efeito global, no entanto, é espectacular.

Andando pela orla do lado, sou confrontado com a presença de árvores no meio do mesmo, a centenas de metros da margem. Como é que pode existir por ali vegetação? Será o lago de pouca profundidade? Haverá línguas de terra lago adentro, de onde irrompem troncos e folhas, que interrompem assim a uniformidade da superfície? A resposta surge finalmente: as árvores demarcam um caminho, uma auto-estrada através do lago, onde é seguro caminhar. Observando melhor, vejo ainda bancos de jardim, literalmente no meio do nada, de maneira a que os caminhantes possam descansar as pernas no meio da travessia: afinal, o lago é mesmo muito grande.

A mente está então decidida, mas nos últimos passos em terra firme os avisos de "buracos no gelo" e as poças de água na superfície dão lugar à apreensão: e se o gelo se quebra e acabo dentro do lago? Os finlandeses fazem-no voluntariamente, mas têm as saunas para os aquecerem depois. Avisto finalmente um vulto a iniciar a travessia num outro ramo do caminho. Se ele o faz, eu também posso! Dirijo-me para onde o trilho começa, desço até à superfície, meto um pé na neve... E não acontece nada. Repito: não me afundo, não estou dentro de água a tentar partir o gelo de baixo, como acontece sempre nos filmes. Estou agora com os dois pés fora de terra firma e ainda estou seco. Bom começo.

Vou assim andando, habituando-me ao solo. Nevou nos últimos dias, pelo que parte da caminhada é sobre neve, tal e qual como seria se me deslocasse numa montanha. A outra parte, no entanto, é composta de poças (na forma de passos de pessoas) com bastante água à mistura: evito-as e tento andar sobre neve fresca, mas nem sempre é possível. No lado esquerdo do trilho está um outro, sem qualquer neve, ou seja, de um azul muito escuro e coberto com muita água. Sou obrigado a tomar uns passos cautelosos sobre esta superfície, mas a experiência não é nada interessante: sinto (e ouço) o gelo a rachar debaixo dos meus pés, vejo a água a deslocar-se conforme ponho o meu peso aqui ou ali, e começo agora a temer pela minha segurança: tem estado bastante quente nos últimos dias (por "bastante quente" leia-se "as temperaturas deixaram os graus negativos"), será que estes austríacos controlaram a camada de gelo ultimamente?

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