Na Turquia às vezes as mulheres são vistas assim. Como tapetes. Servem para tudo, mas essencialmente servem para limpar os pés dos seus maridos, dos seus irmãos, dos seus pais. A Yasmim tinha um olhar doce, resignado pelo seu destino. Disse-me para me sentar ali com ela. Enquanto fazia o tapete e falava sobre tudo o que nunca poderia ter, eu pensava como nós somos tão egoístas, ao ponto de nos lastimarmos com balelas.
A Yasmim não sabe, por exemplo, o que é isto que eu estou a fazer, sentada nesta esplanada à beira do mar, sem ninguém, só com um gin tónico, uma câmara fotográfica e este bloco de notas. Não sabe porque lá na aldeia do interior da Turquia onde vive não se vê o mar, as mulheres não podem beber e nem sequer entrar num café. Porque na porta alguém escreveu em papel pardo “Proibida a entrada a mulheres.” O café tem janelas grandes: eles estão lá dentro a beber e a fumar, elas em casa, às vezes a servirem de tapetes.
Às escondidas do marido e do irmão, Yasmim aprendeu a falar inglês. E quando eu lhe conto “coisas” do mundo ocidental, a Yasmim dá uma gargalhada. Foi numa dessas gargalhadas que a nossa conversa teve que acabar: a Yasmim riu tão alto que veio a sua cunhada, ralhou-me por lhe estar a contar coisas do Ocidente. Para não arranjar problemas à Yasmim, abandonei o tear de seda.
Permitam-me que lhes conte uma dessas gargalhadas. Yasmim perguntou-me a idade — os seus olhos fizeram um olhar de espanto; perguntou-me como é que o meu marido e filhos me deixavam andar num país estrangeiro sozinha. Expliquei-lhe que não tinha marido nem filhos. Deixou o tear, pousou a sua mão no meu ombro e disse-me: “Olha Filipa, é muito triste eu dizer-te isto, mas tu aqui na Turquia nunca vais arranjar marido.” Ao que lhe respondi: “Deixa lá Yasmim, não é só na Turquia, em Portugal também não arranjo, já estou habituada.”
Gargalhámos as duas. Foi das melhores gargalhadas além- fronteiras que eu partilhei. E foi tão bonita e genuína que ainda hoje a recordo com um sorriso.
Lembro-me muitas vezes da Yasmim, um dia gostava de recebê-la cá com a mesma alegria com que fui recebida lá. De partilhar este oceano e esta esplanada. Eu sei que a Yasmim tem liberdade interior. Mas também sei que chora todos os dias… É que os tapetes da Yasmim cheiram a sal. E ela nunca viu o mar.
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