Fugas - dicas dos leitores

Vaticano, o Estado-assombro

Por Maria João Castro

O sol desponta no horizonte quando subimos as escadas do metro do Vaticano.

Uma aragem fresca e translúcida acompanha a caminhada até um dos seus ex-líbris. O Vaticano, o Estado independente mais pequeno do mundo, baluarte da religião católica, possui uma das maiores e mais preciosas colecções de arte do mundo. Da praça da basílica destacam-se duas colunatas laterais, como braços da igreja que se abrem para enlaçar os fiéis e peregrinos do mundo inteiro.

A maior abadia do mundo mostra no seu interior o esplendor de Roma, numa depurada exibição do poder papal. Na primeira capela, à direita, a Pietà de Miguel Ângelo resguarda-se atrás de um vidro protector. Adiante, sobressai o baldaquino de Bernini e, por cima, a cúpula de Miguel Ângelo. Observo atentamente ao meu redor: escorrega-se entre a santidade e o pecado.

Saio do templo. Tomo o elevador até ao terceiro andar para depois subir ainda 320 degraus até à cúpula. A magnífica simetria da colunata de Bernini pode ser convenientemente apreciada daqui: o rio ao fundo, os Museus do Vaticano vistos do alto, as villas dispersas entre o verde. A omnipresente multidão, numa onda luminosa de flashes e ao som dos zooms automáticos, procura encontrar o melhor ângulo para fotografá-lo, atravancando o pequeno corredor da cúpula.

A Capela Sistina situa-se no fim dos vários museus do Vaticano. A sua porta, ao abrir-se, solta um rescaldo de sonhos. Ao vivo, a sua pujança artística é bem mais grandiosa do que se possa imaginar. Mandada construir por Sisto IV, o recinto apresenta-se como uma obra incontornável de Miguel Ângelo, onde o mestre passou anos da sua vida entre andaimes e tintas. O seu tecto revela uma Criação de Adão orgulhosa, plena, revigorante. Nas paredes, os frescos estão assinados não só pelo pintor, mas também por Perugino e Botticelli, numa inegável prova do génio artístico. Olhando em direção ao Juízo Final, na parede ao fundo, admiro a mestria do trabalho; à volta, as janelas rasgadas por entre pinturas douradas e cenas da vida de Cristo, filtram os rasgos de luz de uma forma que dilata ainda mais o colorido e o recorte das figuras exibidas. Simultaneamente, a claridade faz saltar as imagens, transformando-as em modelos vivos, que passeiam entre nós como fantasmas multicolores ou sombras inocentes.

À saída, ainda percorro algumas alas dos Museus do Vaticano. Paro aqui e ali, arremessada pela quantidade e qualidade da produção artística que estas paredes encerram. Os minutos passam céleres e as portas do edifício são, enfim, encerradas.

Encontro-me de novo na praça desolada. Saio do Vaticano. A sua posição — Estado dentro de outro Estado — foi garantida pelo Tratado de Latrão, em 1929: chefiado pelo Papa, não é mais do que um grande quarteirão dentro de Roma. As ruas encontram-se agora desertas, convidando ao passeio, enquanto uma espessa neblina sugere espectros beatos, que rodopiam à nossa passagem.

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