Barcelona já só cresce na vertical. No entanto, a sua dimensão média ajuda a torná-la uma cidade acolhedora e fácil de visitar. O Tibidabo, a norte, é o ponto mais elevado e um excelente miradouro sobre a cidade, que desce suavemente até ao mar e nós descemos sorridentes, mas ao aeroporto El Prat.
Com o seu carácter aberto e tranquilo e o seu clima privilegiado, esta cidade mediterrânica oferece, ao mesmo tempo, recantos sossegados, ruas e praias animadas e uma intensa vida noturna. A arquitectura é uma das suas principais atrações. O legado modernista do genial Gaudí e de outros arquitetos deste movimento cultural fez dela um eterno centro turístico, num dos locais de eleição para qualquer visitante.
Numa de muitas manhãs que lá “habitámos”, optámos por atravessar a avenida Diagonal com a praça Jon Carles I, subimos o famoso Passeio de Gràcia, enorme, mas aos poucos parecia uma modesta avenida arborizada. À esquerda, quase imediatamente, observámos a Casa Bonaventura Ferrer, um edifício modernista de Pere Falqués i Urpi, com a alvenaria esculpida num turbilhão de folhas e uma fachada finalizada com uma coroa em ferro. A uma curta distância, a rua torna-se mais estreita para rodear outro edifício modernista, embora de inspiração neogótica. A Última obra do arquitecto Lluis Domènech i Montaner, a Casa Fuster foi convertida num hotel de luxo.
Alguns passos depois pela rua que sucede naturalmente ao Passeio de Gràcia, mergulhamos num labirinto de ruas, ruelas, lugarejos sinuosos, pequenas praças e jardins do bairro Gràcia. Enfiámo-nos na carrer Gràcia, à esquerda e logo a seguir à direita pela carrer Domènech. Esquerda outra vez, subimos a carrer de Francisco Giner que nos levou à praça de Rius i Taulet, sentámo-nos para respirar o ambiente, um espaço acolhedor, onde um relógio numa torre de 33 metros de altura é observado pela fachada azul da sede do governo local.
É fácil ter a impressão de que deixamos a cidade para trás e entrámos numa pequena aldeia onde as pessoas sorriem e trocam olhares cúmplices. Apesar, da junção de Gràcia a Barcelona em 1897, esta nunca perdera o seu sentido de independência. Durante o dia, parece distante do ritmo da vida metropolitana moderna que se encontra a alguns quarteirões de distância, mas à noite há uma certa agitação, pois as suas lojas exóticas e vida noturna atraem multidões.
Continuámos, atravessamos a praça, abandonando-a pela carrer Mariana Pineda, daqui seguimos pela travessa de Gràcia, uma das principais ruas comerciais do distrito, e caminhámos pela carrer Xiquets de Valls, que tem nome de uma equipa de castellers de renome. Passámos pela praça del Sol, demasiado silenciosa para estas horas da manhã, pois é conhecida como a praça dels Encants, por ser um foco de vida nocturna. Apesar de existirem monumentos para serem vistos ao longo do caminho, as principais atracções são o ambiente das áreas, lojas invulgares, cafés com carácter e arquitectura singular.
Virámos à esquerda e saímos pela carrer Maspons. Em frente, do outro lado da carrer del Torrent l’Olla, entrámos numa outra praça sonolenta e herbosa, a praça Revolució de Setembre de 1868. O nome comemora o golpe de estado dirigido pelo general Prim, que destronou a dinastia Bourbon, tão antagonistas com os catalães que conduziram ao primeiro governo republicano da história de Espanha. A poucos dias realizavam-se as grandes festas de Gràcia nestas paragens, pois o pessoal do bairro estava a preparar os festejos e estavam num frenesim constante. Uma proeza nestas festas é a participação dos castellers da Catalunha, equipas de ginastas amadores que podem ser vistos frequentemente a construir torres humanas, com alturas que podem atingir as oito pessoas.
Daqui, entrámos na carrer de Verdi, esta uma rua movimentada mas agradável com as suas lojas modernas e chamativas para uma olhadela discreta. Ao passarmos pelo cinema Verdi, virámos à direita e descemos a carrer de l’Or. Depressa chegámos a uma das praças mais agradáveis de Gràcia, a praça Virreina, onde a fechada da igreja de Sant Joan está virada para dois edifícios: uma residência com uma torre e uma casa modernista com a fachada em tons de vermelho e creme com varandas em ferro forjado.
Aqui, as esplanadas estavam completamente cheias de gente, onde crianças brincavam, tendo de soslaio os olhos dos pais, namorados trocavam gestos suaves, os mais velhos sentiam uma pequena brisa que beijava os seus rostos. Ficámos num banco a apreciar a praça arejada, com sombras dos prédios que a circulavam e das árvores com as suas copas altas que davam uma aragem agradável, pois o calor já se sentia há muito.
A custo, deixámos Virreina pela arborizada carrer de Astúries e seguimos pelo topo da praça Diamant, onde foi descoberto um abrigo antiaéreo da guerra civil que está agora aberto ao público, não entrámos, pois tinha que ser através de marcação. Virámos à direita para a Torrent l’Olla, depois à esquerda para descermos para Santa Ágata.
Ao atravessarmos a Gran de Gràcia, em direção à carrer de les Carolines, no fundo desta rua admirámos uma das primeiras obras de Gaudí, a Casa Vicens, construída entre 1883 e 1888 em estilo mudéjar. Embora propriedade privada, vale a pena contemplar o seu exterior. Comissionada como uma casa de Verão por um fabricante de tijolos e azulejos, levou ao inexperiente Gaudí cinco anos a construi-la. Inspirada pela arquitectura mourisca, a casa foi uma corajosa quebra da tradição e do excessivo uso de cor e ornamentos, claramente indicando os interesses de Antoni Gaudí, onde dá um tratamento especial aos ângulos do edifício para evitar a rigidez. O exterior é um tabuleiro de xadrez em tons de verde e branco e outros mosaicos com motivos de malmequeres e acabamentos de ébano. O trabalho em ferro mostra espirais extravagantes e bestas intrigantes. Na porta principal é colocada uma grade de ferro, feita conforme o modelo das folhas de palmito que havia no local. Achámo-la um espanto, pelos contornos e parecendo ter peças de lego.
Voltámos de novo à Gran de Gràcia e descemos até à bonita praça Trilla. Aqui acabava o percurso. Sentámo-nos mais um pouco por entre as sombras das palmeiras, que as badaladas já soavam, não nas torres das igrejas, mas nos nossos estômagos...