Fugas - dicas dos leitores

Saudades do Nepal

Por Maria Julieta Henriques

Eram 11h e acabava de aterrar no Aeroporto Tribhuvan. Chegava ao Nepal, estava em Katmandu! Aberta a porta do avião, uma baforada de ar quente envolvia-me como uma película transparente. Houve quem achasse um tanto ou quanto peregrina, esta minha vontade de vir até este longínquo país asiático, mas a escolha, saiu-me acertada.

Ninguém fica indiferente a esta terra situada entre dois gigantes – China e Índia – e "entalada" entre as maiores montanhas do mundo, os Himalaias. A capital tem um ritmo frenético e caótico; atravessar uma rua é um "deus nos acuda"! Então não há semáforos, placas de trânsito, zebras, sinaleiros? Claro que há, só que, por ali, não fazem a menor diferença… Impera, isso sim, a lei da buzina. E resulta!

O nepalês é simpático, de sorriso pronto e cativante, cumprimenta-nos unindo as mãos, dizendo "namaste" (significa "saúdo o deus que há em ti"). Cheguei à Praça Durbar, numa alucinante viagem de riquexó, enfiada no meio de muito trânsito, acalorada, despenteada e incólume, sem sobressaltos de maior. Esta praça foi declarada pela UNESCO Património Mundial da Humanidade – o título assenta-lhe como uma luva.

Local imperdível, cujos templos bem conservados podemos admirar como eram há séculos.

Impossível, neste espaço, descrevê-los a todos. Destaco, contudo, o Kasthmandupa, construído com madeira de uma única árvore e sem um único prego. É o templo mais antigo e dele derivou o nome Katmandu.

Kumari Ghar é um templo hinduísta onde habita uma deusa viva, Kumari Bahal. É uma criança de uns cinco anos de idade, criteriosamente escolhida para tais funções. Vive ali, como uma princesinha, como passarinho em gaiola de ouro, de onde só muito raramente sai em procissão. Atingida a puberdade, é considerada impura e logo substituída por outra menina, segundo rígidos requisitos.

Katmandu é uma das três antigas cidades reais, a par de Patan e Baaktapur, também elas Património da Humanidade. Patan é a "Cidade da Beleza" e inclui, tal como Katmandu, uma Praça Durbar, onde existem imensos templos, o Palácio Real, estátuas e santuários do século XVII; destaco o templo de Krishna Mandir, de influência mongol, lindíssimo.

Baaktapur é conhecida como a "Cidade dos Devotos" ou "Cidade da Cultura". Está repleta de monumentos, palácios e templos com esculturas elaboradas e telhados dourados: um museu a céu aberto! Na Praça Durbar o templo das 55 Janelas abriga a Galeria Nacional. Toda a parte antiga de Baaktapur está liberta de trânsito, o que lhe confere um ambiente muito calmo. É talvez, das três cidades reais, a que ainda está mais perto da "inocência perdida". Bertolucci escolheu-a para cenário do filme O Pequeno Buda.

Percorridas estas três cidades, visitei Pashupatinath, o mais sagrado dos templos hinduístas. O local é banhado pelo rio Bagmati, considerado sagrado, onde nos ghats, a céu aberto, são cremados cadáveres. Este procedimento, tão natural para os hindus, não deixa de causar certa emoção aos ocidentais. Impossível ficar-se indiferente. Por ali deambulam sadhus,homens santos, rigidamente desprendidos dos bens materiais, de rostos pintados e seminus.

Uma ida a Bodnath é imperdível. É a maior stupa do Nepal e uma das maiores do mundo. O local é conhecido por "Little Tibet", por ser um importante centro de peregrinação para tibetanos refugiados no Nepal. No cimo da stupa, uma torre piramidal de treze degraus simboliza o número de etapas que os budistas devem superar para alcançarem o nirvana.

Vigiando as ações dos homens, estão os olhos azuis de Buda, que tudo vêem e tudo perdoam.

A stupa Swayambhunath, ou Templo dos Macacos, é considerada Património da Humanidade e um dos mais enigmáticos complexos budistas.

Saboreei toda esta viagem, que me marcou de saberes e conhecimentos. Apesar do bulício sempre presente, sem esforço, encontrei paz.

Deixei o Nepal à luz de um sol crepuscular, que dava às ruas e casas um belo tom ambarino. Saí sem me despedir, sem olhar para trás. Já no avião dei comigo a falar para mim mesma: "Se calhar, algum dia ainda aqui volto…"

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