A sonoridade sibilina de nomes ou lugares como Tombuctu, no Mali, amplamente descrito por Bruce Chatwin em Anatomia da Errância, ou a passagem de Annemarie Schwarzenbach por Yezd-i Khast, onde encontrou inspiração para escrever Morte na Pérsia, um relato de viagem como nenhum outro, levam-nos a duvidar de que a terra tenha fim.
A contemplação sonhadora de um atlas colocado em cima de uma mesa ou de um globo que fazemos girar na ponta de um dedo faz-nos duvidar se o mundo começa em Vladivostoque ou acaba em Ushuaia, "el culo del Mundo", como o descreveu Mempo Gardinelli no seu Final de Romance na Patagónia. Segundo Francisco Fagundes, até uma banal carta enviada pelo correio no final do século XIX, de Lisboa para a remota ilha do Corvo, desafia a nossa geografia ao ostentar, no envelope, a palavra América por baixo do nome da ilha.
É nesta abordagem que se inscreve a palavra viajar: a imaginação e a vontade da descoberta empurram-nos para fora e uma força centrífuga faz-nos saltar um horizonte de geometria variável, em função da nossa inquietude. A primeira condição do viajante é sentir essa permanente agitação, a invisibilidade de um chamamento semelhante ao apito ultrassónico que só os cães conseguem ouvir. Sedentários, queremos ser nómadas, do conforto da sala queremos sentir-nos cidadãos de wagon-lit, ou então ter o direito de delirar numa rua de aldeia que divide o deserto de Atacama em duas partes perfeitamente iguais.
Contrariamente ao turista, o viajante não procura o que quer ver; aceita aquilo que encontra, o nada, o tudo, o diferente. Caminha numa linha bem distinta da que estrutura a sua vida de quintal, de bairro ou de subúrbio. Move-se na cadência imposta pela imprevisibilidade da viagem, seja a cinquenta quilómetros ou a cinco mil do seu ponto de partida. É uma atitude sensata que o afasta de um roteiro pré-concebido e inibidor. Sente-se livre. Trata-se de usufruir de outros ares, de uma espécie de movimento salvador que permite modificar o nosso pensamento ou reformar o nosso ponto de vista.
Nesta perspectiva, a viagem possui a virtude de desfazer preconceitos, de nos levar à descoberta de que, antes da partida, todos nós estamos errados acerca de outros lugares ou de outras gentes. E vamos lá para nos confrontarmos com essa realidade. Para isso, será necessário levarmos connosco a melhor parte de nós próprios, aquela que nos permite transportar a capacidade humana de interpretar outras culturas ou de suportar outros olhares. Ian Mac Ewan refere-se à necessidade de confiarmos em estranhos e perdermos de vista todo o conforto familiar da casa, dos amigos. Viajar é assim uma brutalidade que nos empurra constantemente para o desequilíbrio, obrigando-nos, por vezes, a rastejar como lagartos, ou a mudar de pele como camaleões de forma a nos confundirmos com a cor local.
E partir para onde? Na verdade, para qualquer lugar. O destino importa menos do que a expectativa interior. Trata-se de virarmos as costas a essa rede de hábitos. A viagem é a tinta mágica que apaga a nossa existência inscrita num lugar e que nos coloca à deriva noutra latitude. Sem deixarmos rasto, sem sabermos para onde vamos, sem sabermos o que fazer, porque, de outro modo, enquanto viajantes não sairíamos das nossas próprias pessoas, ou seja, não viajaríamos.