Fugas - dicas dos leitores

Um país que se entranha

Por Ana Sofia Melo

Esse país é Marrocos. Enquanto lá estive, começando pelo Norte (Fez) e descendo, calmamente, para uma cidade mais a Sul (Marraquexe), pude sentir o calor do deserto e das aldeias pouco povoadas, das planícies cortadas por pistas e pontuadas por árvores raras para os meus olhos.

Nunca o meu rosto esteve sempre tão quente como naqueles dias. Nunca os meus lábios estiveram tão secos e gretados, a pedir hidratante. O mesmo com a pele, que ansiava por água. O calor entranhava-se, assim como o ar do deserto.

As areias chegaram aos cabelos e aos olhos. Sobretudo durante aquela noite no deserto do Sara, depois de testemunhar um pôr do sol nas dunas de um dourado ondulante…Nunca o meu cabelo esteve tão seco e áspero. Ao tocar-lhe, como que sentia o chão que pisava. Lenços ou chapéu eram usados com carácter de urgência, como nunca tinha feito (gosto pouco de cobrir a cabeça…). No entanto, tinha de ser. E que bom que assim tenha sido. Para poder sentir em mim a terra, com tudo o que a faz. Não foi um mero cenário, onde eu, por acaso, estava. Foi muito mais do que isso, foi muito melhor. Foram os cinco sentidos atentos a este país.

Marrocos penetra facilmente em nós com as suas cores e linhas: dos azulejos que decoram as fachadas dos templos, madrassas e palácios, dos tapetes e lenços que as mulheres usam ou das djellabas que muitos homens envergam. Era a minha primeira vez em África e ansiava por conhecer as suas latitudes. Comecei por estas coordenadas, marcadas pelo aroma das laranjas e da hortelã. As laranjas, grandes e sumarentas, marcaram presença à mesa de todas refeições.

Vinda do Norte de Marrocos, quando entrei em Marraquexe o aroma das laranjeiras que ladeiam algumas das ruas entranhou-se para não mais desaparecer. Assim como o sempre presente cheiro a hortelã, o principal ingrediente do chá mais pedido e bebido por todo o país. Os marroquinos, em copos de vidro transparente, misturam muitas folhas de hortelã com a água e o açúcar abundante. Este chá é ao mesmo tempo um cartão-de-visita, um ritual de hospitalidade e um abraço aromático que envolve de uma forma calorosa os visitantes. Senti esse calor e o seu aroma.

Também nesta cidade, a última que visitei, as laranjas marcaram os dias: na praça Jemaa el-Fna os vendedores de sumos transformam o fruto da cor do sol em copos de uma frescura e doçura que só ali saboreei. Ainda nesta praça, e nas minhas últimas horas antes do regresso a casa, foram os frutos secos (amêndoas, amendoins, nozes…) e uns alperces que deixaram lastro com os seus sabores autênticos. Aqui, comprei um pouco de cada para trazer e partilhar com quem não foi…

Esta praça, vibrante de vida a todas as horas, não deixa ninguém indiferente, moldada pela  agitação dos que passam, dos que dançam, dos que cantam, dos que vendem e dos que compram, não sem o tempo dedicado à lenta negociação, dos que lêem o futuro nas mãos ou dos que marcam as mãos com motivos do passado. Imergi neste ritmo vinda da calma das aldeias e do deserto. Cheguei aqui depois de ter visto muita gente que não passa, não dança tão freneticamente e que canta com outras vozes. Vi pastores, vendedores de cogumelos que estão sentados à beira das estradas, nómadas que permanecem ainda que temporariamente, crianças que brincam junto das casas, velhos que estão. Marrocos vive a vários ritmos. Marrocos é isto e mais.
 

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