Esta é uma crónica ingrata: ver Díli pelo seu lado urbano, quando não é de todo o perfil que mais lhe assenta. Nela, esgravatamo-nos por um pequeno suspiro de cultura, aceitamos comer num sítio sofrível que tenha uma vista prodigiosa, e até as idas ao supermercado são desafios (há leite este mês?). De metrópole, nem cheiro a frenesim. Os táxis vão tão devagar que suspeito que andam a vento. Esqueçam, por isso, as outras cidades. Díli tem temperamento e fascínio próprio, esperar dela grande urbanidade vai levantar frustração e não deixar ver a sua especialidade.
1.
Uma marginal por dia não sabe o bem que lhe fazia.
De manhã cedo com a montanha meio apagada pela neblina. Ao final do dia, lugar de encontro, de namoro, de jogatana. A marginal cura amarguras e levanta ânimos a várias horas do dia. Recomenda-se ao pôr-do-sol, ou não fosse este um país tropicalíssimo com um ocaso de tirar o fôlego. Tomar com katupa (arroz cozido em leite de coco, envolto em folha de palmeira) e espetadinha de frango para multiplicar o deleite.
2.
O porto
Não sei se é pela falta que me faz Lisboa, mas vida de porto sempre me encantou. E Díli é cidade náutica, com o seu Farol listado, bonito. Notam-se sempre os dias em que há barco para o Oecussi – o enclave, que o Nakroma, barco velho, liga em 12 horas de travessia. Esta é apenas semanal e assim obriga a bagagem pesada empilhada à cabeça. Nos dias sossegados, os contentores lá ficam, como os tantos barcos, a marcar de ferrugem e ferragem a linha do mar.
3.
O Sanatório de Lahane
Nem tudo em Díli é maresia. Começando a subir a montanha, por onde a cidade avança, existe o velho Hospital de Lahane, sanatório pulmonar onde se isolavam os tuberculosos com direito a vista além paredes brancas. Hoje, tem a magia dos sítios abandonados e deixa ver Díli do alto por entre os espaços deixados pelas antes janelas.
4.
Díli da História
Díli também é a sua história recente e dura. Esta está ainda à flor da pele, à flor do país. Não precisa de ser lembrada a quem a visita, toda a cidade encontra ainda sinais do que foi sombra. Mas para que a memória nunca se perca, dois espaços na cidade contam-na bem: o Arquivo e Museu da Resistência Timorense e a Exposição Chega!, ambos a visitar, ambos pedem estômago. Outras estórias, mais recentes e de olhar em frente, podem ser descobertas no Arte Moris, Escola e Centro de Arte onde a nova geração quer contar da sua cidade.
5.
Ainda rural
Díli está longe de ser o melhor de Timor. Poderei ter pintado uma cidade simpática e arejada, mas é que o seu país é uma meia-ilha só de encanto. Oxalá Díli não perca o Timor-Leste escondido nos mercados, na vida Suco adentro, no que tem de autenticidade. Oxalá não seja um dia só cidade.