Fugas - dicas dos leitores

Møgeltønder, a jóia pouco conhecida do Sul da Dinamarca

Por Alfredo Magalhães

O dia estava luminoso, num Julho meteorologicamente instável. Rumámos a uma aldeia do sul da Dinamarca, Møgeltønder, conhecida por ter a mais bela rua de toda a Escandinávia.

À entrada da aldeia fica um castelo, o Schackenborg Slot, que afinal é um palácio barroco do século XVII. É a residência oficial do segundo filho da rainha Margarida II da Dinamarca, o príncipe Joaquim. Na Idade Média era a residência do bispo de Ribe, mas com a Reforma passou para a família real, que o ofereceu mais tarde a um distinto militar, o conde Hans von Schack. Em 1662 o palácio estava em ruínas e por isso foi inteiramente reconstruído, tendo continuado na família von Schack até 1978, quando voltou de novo à família real dinamarquesa.

Cruzámos um pequeno curso de água repleto de plantas aquáticas e bordejado de denso arvoredo. O sol coado por toda aquela folhagem punha tons intensos de verde no ar da manhã. E lá fomos admirar a tão famosa rua. A Slotsgaden (Rua do Castelo) é uma longa e rectilínea rua que nos leva do castelo até à igreja. Está ladeada de limas e tem casas antigas de volumetria e estilo muito uniformes e cobertas de colmo. Bonita, de facto, mas creio que será exagerado o título da mais bela da Escandinávia.

Mas o mais belo estava para vir. Ao fundo da rua entrámos na cerca da igreja. Como muitos outros templos desta zona, é de estilo gótico e tem um imponente campanário na frontaria. Em volta da igreja, aquilo que nos pareceu à primeira vista ser um jardim, mas que logo se revelou ser cemitério. Campas rasas identificadas por despretensiosas lápides verticais e separadas por pequenas sebes. Aqui, na morte são todos iguais.

Entrámos na igreja. Não é muito grande e tem uma estrutura muito vulgar em igrejas desta zona: bancos corridos de madeira com a tábua frontal a fazer de estante para as bíblias e na capela-mor um altar pequeno, não muito alto, e com um tríptico sobre a vida de Cristo. Turistas cochichavam, olhando e tirando fotografias. Mas não se demoravam.

Eu e a minha companhia, que nos apelidamos de viajantes porque não temos a pressa de um autocarro que não espera, gostamos de ver o que queremos e durante o tempo que queremos. Fomos então ver de perto a capela-mor. O tríptico representa a morte de Cristo, mas em vez de pintura era em baixo relevo, com as cores muito vivas denotando restauro recente. As duas telas laterais continham os 12 apóstolos em dois grupos de seis e nos quatro cantos do quadro os quatro evangelistas com os símbolos que os representam. O quadro central tem muitas figuras em atitude piedosa. De um lado, um grupo de soldados, sentados no chão, sorteiam a túnica, do outro duas mulheres amparam a mãe de Cristo. Por todo o lado esvoaçam pequenos anjos dourados. Olhámos para o tecto: uma abóboda central maior e duas laterais. As três cobertas de frescos quinhentistas em tons arroxeados, laranja e verde. Apresentam uma série de grandes figuras celestiais: anjos tocando os mais diversos instrumentos, monges cantando pelos seus livros de canto-chão, o nascimento de Cristo, a visita dos reis magos. Ficámos largos minutos de cabeça puxada para trás, boca aberta e olhos esbugalhados. Nunca víramos coisa semelhante.

Encaminhámo-nos para a saída. Mas nova surpresa nos esperava: de um dos lados, uma balaustrada em madeira de um coro-alto tem um conjunto de painéis pintados representando cenas bíblicas. No entanto, a vista não se demora muito ali, porque se desvia para o tecto pouco elevado, de tábuas aparelhadas e com magníficas pinturas. Uma delas é absolutamente extraordinária. Apresenta a cena do Juízo Final. Cristo nas nuvens sentado num trono e rodeado de apóstolos e profetas. Em baixo, a enorme multidão dos ressuscitados, ainda com as mortalhas a caírem dos corpos. Alguns saem das campas e um deles não passa de esqueleto ainda. Anjos amparam-nos e ajudam-nos a sair. Do lado direito de Cristo, os eleitos em atitude composta e feliz. Anjos volteiam por cima das suas cabeças. Do lado esquerdo os condenados encaminham-se para as chamas do Inferno no extremo do quadro. Há um que se recusa a seguir e é arrastado pelo diabo, figura preta, cheia de pelo, chifres e cauda.

Quanto mais olhamos mais pormenores descobrimos e mais nos agrada e espanta tudo aquilo. Quase nos apetecia ficar por ali o dia todo. Prometemos voltar um outro dia para ver de novo, só para delícia dos olhos. Assim fizemos uma semana depois. É a vantagem de ser viajante e não ser turista.

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