Fugas - dicas dos leitores

Lisboa, história de um fado

Por José Alberto Silva dos Santos

Sou do bairro da Ajuda. E ainda hoje me lembro de, menino e moço, de andarilho, correr pela Rua do Galvão, ver a família na Calçada da Ajuda, brincar no Largo da Paz, e… ir com o meu pai, aos Domingos, ao Restelo, ver o “Belém” (oh sim ainda me lembro).

Bons tempos das Salésias ao Restelo. Depois, no fim, descíamos o Restelo, até ao Mosteiro de Santa Maria de Belém. Mandado edificar pelo rei D. Manuel I, por grande crença a Nossa Senhora e S. Jerónimo, chegaria este Mosteiro aos nossos dias mais conhecido pelo Mosteiro dos Jerónimos.

Claro que depois era da praxe irmos comer uns “pastéis de nata”, perdão, Pastéis de Belém, à Antiga Confeitaria de Belém. Confeitaria essa que foi fundada em 1837, numa antiga refinaria de cana-de-açúcar, que servia, entre outras, para “escoar” este doce conventual confeccionado pelos monges que habitavam o Mosteiro dos Jerónimos. Diz-se que a secreta receita chegou intacta aos nossos dias. Portanto, comemos Pastéis de Belém com quase dois séculos?

A seguir íamos ver o rio. O mítico Tejo. Que segundo a lenda deve o seu nome ao não menos enigmático rei Ibero Tago. O maior rio da Península Ibérica. Nascendo em Espanha, na Serra de Albarracín, vindo, por aí abaixo, ao longo de 1000 e tal quilómetros, desaguar em frente de Lisboa, às portas do Forte de S. Julião da Barra, em pleno Oceano Atlântico. Não sem antes passar pelo Padrão dos Descobrimentos e pela não menos famosa Torre de Belém.

O Padrão, uma caravela em pedra e betão, foi inaugurado em 1960, de modo a imortalizar os 500 anos da morte do Navegador Infante D. Henrique. A Torre, de estilo manuelino, e originalmente baptizada com o nome de Baluarte de S. Vicente a par de Belém, veria sair daqui as caravelas e as naus portuguesas que deram novos Mundos ao Mundo na era das Descobertas. Meu pai contava-me que ainda chegou a vir para aqui quando aqui havia praia. E que nadava nas águas límpidas do rio.

Depois veio a mudança. Saímos desta cidade de 7 colinas e mudámo-nos para a sua 8ª colina. Na outra Margem. E aí aprendi a cruzar o Tejo nos famosos cacilheiros. Em Canoas de Vela Erguida… Perde-se na memória dos tempos a origem do transporte de pessoas e bens, por via fluvial, entre as margens do Tejo.

Na ligação entre Porto Brandão e Belém utilizavam-se os barcos Catraios. As Faluas ligavam o Montijo a esta cidade. E, entre Cacilhas e o Terreiro do Paço, utilizavam-se os Cacilheiros. Imortalizados por José Viana no seu Fado Zé Cacilheiro: ”…sou marinheiro, deste velho cacilheiro, … O meu bairro é sobre as águas, e a minha rua é o Tejo…”

Foi pois, nas margens desta 8ª colina, mais propriamente na encosta do Pragal, aos 6 de Agosto de 1966, e na presença do PR Américo Tomás, do PM António Salazar e o Cardeal Cerejeira, que assistimos à inauguração da ponte que uniria para sempre as duas margens do rio, no chamado gargalo do Tejo. Ponte Salazar à inauguração. Depois da revolução dos Cravos passar-se-ia a chamar de 25 de Abril.

Cresci. Por entre os Bairros de Belém, Ajuda, Alfama, Castelo e Madragoa. Na Mouraria primeiro estranha-se. Depois entranha-se. E assim me rendi ao feitiço da voz do Fado e do som das guitarradas de Alfredo Marceneiro, Amália Rodrigues, Carlos Ramos, Maria Teresa de Noronha, Hermínia Silva, Carlos do Carmo e outros tantos nomes lendários do Fado que como Camões da lei da morte se foram libertando.

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