Fugas - dicas dos leitores

Fernando Veludo/nFactos

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Rio de Onor, a fronteira invisível

O gado todos os dias vai à sua vida — rotina em círculos — conduzido pelo pastor, aqui não existe especialização, todos os membros desta comunidade mal medida de uma centena de almas comungam de todas as funções, menos a de padre, claro está! Que essa só para representante autorizado.

Assim que pastores são todos, em calendário rotativo, assim como a cozedura do pão é feita no mesmo forno. Até as grandes decisões são tomadas na praça pública, recanto à sombra de uma árvore frondosa, que não podemos nomear com essas amplitudes de espaço grande, mas que aconchega os suficientes para legitimarem as assembleias.

O residente mais jovem tem mais de sessenta anos e foi importado. Excelente idade para se ser o mais jovem. Mimam-no como se fosse uma criança, e na verdade é.

Resolvido o engarrafamento do tráfego ovino matinal, a aldeia mergulha de novo na suspensão do tempo, com recortes de seres trajados de negro, curvados a remexer a terra, ou talvez a acariciá-la. Vêem-se ao longe e quem vem da cidade não distingue essas subtilezas.

A geografia desta terra, um recôndito embrulhado nos vales, não convida a roteiros turísticos. Quem a procura, fá-lo determinadamente, com decisão tomada desse propósito, sabe ao que vai, não a procura por engano ou equívocos de turista incauto na descoberta de acasos fotogénicos.

Quem vai até esse fim, vai porque precisa de ir, de percorrer uma vez mais a pé a aldeia, para se assegurar e aquietar de que as casas continuam de pé, que não foram violentadas por nenhum material estrangeiro, que as desfearia da sua identidade única.

Os poucos rostos que se cruzam, sem se lhes ver os olhos (de que cor são esses olhos?), são rostos íntimos. Intimidade que nunca foi mais longe que a expressão de um “bom dia”, mas basta este diálogo profundo para nos assegurarmos que tudo continua igual e ali, como se espera e anseia de um local suspenso, a nossa aldeia.

Quem vai, vai para carregar-se de energias puras, vai pelo impulso irracional e telúrico de voltar à terra onde não nasceu biologicamente, mas por decisão posterior da sua razão. Vai com o amor incondicional e louco de revisitar o lugar que lhe faz palpitar o coração de saudades quando está fora.

No fim ou no princípio do mundo — para mim no centro do mundo — a minha aldeia é o local mais cosmopolita e diverso, é onde sinto a paz das gentes simples, o meu exercício de sublimação.

Não é fácil chegar a Rio de Onor — o nome da minha aldeia — e ainda bem, que se preserva de companhias indesejáveis.

Se um dia quiserem lá ir, vão preparados: espera-vos um caminho de desafios e privações, uma iniciação do despojamento. Só é merecedor do prémio final quem apreciar a beleza sem maquilhagens, singela portanto.

Ela está lá no cimo de tudo, no mais longe das lonjuras, mas vale a pena o caminho.

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