Fugas - dicas dos leitores

  • Ademar Costa, 58 anos, Póvoa de Varzim
    Ademar Costa, 58 anos, Póvoa de Varzim Paulo Pimenta
  • José Alberto Silva dos Santos, 52 anos, Almada
    José Alberto Silva dos Santos, 52 anos, Almada Miguel Manso
  • Maria Clara Costa, 74 anos, Amadora
    Maria Clara Costa, 74 anos, Amadora João Silva
  • Augusto Küttner Magalhães, 65 anos, Porto
    Augusto Küttner Magalhães, 65 anos, Porto Fernando Veludo/NFactos
  • Maria João Castro, 47 anos, Caldas da Rainha
    Maria João Castro, 47 anos, Caldas da Rainha DR

“A Fugas é uma fuga para mim e para os meus sonhos”

Por Andreia Marques Pereira; Mara Gonçalves

São leitores fiéis da Fugas e colaboradores mais ou menos permanentes da secção As fugas dos leitores. Ao longo dos anos, têm enchido as páginas da revista com os seus relatos de viagem. A todos — e aos muitos outros que não estão neste artigo — o nosso muito obrigado.

José Alberto Silva dos Santos
52 anos, Almada

A primeira vez que leu a Fugas foi “num curso de escrita de viagens ministrado pelo Tiago Salazar”, há quatro anos. O primeiro texto que enviou, “para ver como corria”, escreveu-o “uns dias antes do segundo curso”, dois anos depois. “Passados três dias foi publicado e lá fui eu de jornalinho debaixo do braço para mostrar ao meu amigo Tiago e qual não é o meu espanto quando ele diz para ler em voz alta para todos”, conta José Alberto Santos.

Já publicou nove, há muitos outros a caminho, fruto das viagens que foi fazendo anualmente, sempre com a mulher e a filha, 16 países, cinco continentes. No final, quer compilá-los em livro. “Vai ser o meu terceiro”, diz, convicto. O primeiro, Página do Leitor, colige “pequenos textos que tinha escrito durante as viagens casa-trabalho-casa no comboio, sobre tudo o que ouvia, pensava e sentia em relação ao mundo que nos rodeia e que enviava para vários órgãos de comunicação social”. O segundo será sobre as férias de infância, passadas em família, em Moncarapacho. O terceiro, uma colecção de Fugas.

“Antes já publicava textos noutras revistas mas tinham uma grande limitação de espaço. A Fugas é uma fuga para mim e para os meus sonhos, que é descrever pormenorizadamente o mundo que eu gostava que as pessoas vissem”, conta. Em cada viagem, toma apontamentos, fotografa, recolhe jornais locais, postais, bilhetes e tudo o que lhe permita “reconstituir passo a passo” o passeio. Depois descreve tudo ao pormenor, “os cheiros, o sabor, a cor, as texturas, os sons”. “Há quem diga que sou maluco, que só falta pôr o azimute, a latitude e a longitude do sítio onde estou”, ri-se. Mas tudo, garante, só tem um objectivo: “Que as pessoas, mesmo que não tenham lá ido, sintam que viajar e ir a esses sítios é realmente uma coisa boa, que o mundo não é tão mau como o descrevem e que não tenham medo de ir.”

Perguntam-lhe muitas vezes porque é que escreve, se “ganha dinheiro ou muito reconhecimento”. Ao longo da entrevista, entre muitas histórias de viagem, vai lançando argumentos. Escreve porque “nunca regressou a mesma pessoa” que foi — “há sempre qualquer coisa que recolho de ensinamento e que me levou a adoptar um estilo de vida diferente”, como não beber álcool ou evitar carne de porco. Escreve para “quando já não puder viajar fisicamente, fazê-lo mentalmente”. Escreve para “satisfazer o ego e sentir-se bem consigo mesmo”. “Dá-me alimento aos sonhos. Um dia, quem sabe, talvez eu possa dizer: olha, eu comecei na Fugas.” Mara Gonçalves

 

Maria Clara Costa
74 anos, Amadora

“Sempre que me encontro solta / numa viagem pelo mundo / sinto a chamar-me de volta / Um sentimento profundo / (…) Neste vaivém vagabundo / sem ter princípio nem fim / estou sempre a pedir ao mundo / que não se esqueça de mim!”

O poema, escrito em 2005, inicia o dossier dos seus escritos de viagem, onde Maria Clara Costa guarda cada texto publicado na Fugas, alguns seguidos de fotografias e de poemas, que agora folheia cuidadosamente, sentada no sofá da sala, recordações do mundo aqui e ali.

A primeira crónica é de 2009, um flashback de um episódio da sua “primeira grande viagem”, feita 40 anos antes, quando foi com o marido “num Volkswagen até Copenhaga” e, no regresso, visitaram Berlim Leste. “Vi o texto de um rapaz que quis viajar para a Europa de Leste e precisou de autorização da PIDE e lembrei-me que também tinha uma história parecida”, conta. Em 1969, passeava com o marido pelo lado ocidental da capital alemã quando encontraram um português que os convidou a visitarem a cidade além-muro. Foram, perderam-se no regresso, voltaram para Portugal. “Nunca cheguei a saber se na alfândega não repararam no visto, que era suficiente para irmos presos mas não sabíamos, ou se fingiram não ver”, recorda-se, contando ter sido com a mesma dúvida que terminava então o texto, publicado a 3 de Outubro de 2009.

A partir daí “começou a achar graça”, foi enviando mais. Até convenceu uma amiga “que escreve muito bem” a participar também e segue outra leitora religiosamente. “Quando vejo que há um texto da Maria João Castro não faço mais nada, vou logo ler, adoro as crónicas dela”, revela. Contas feitas, somam-se 16 textos publicados até ao momento, da Patagónia à Síria, do Camboja ao Líbano ou ao Dubai.

Umas vezes escreve mal acaba de fazer a viagem, como a última, feita em 2014 ao Irão. “Estava há 20 anos para lá ir e como não arranjei companhia, fui numa excursão onde não conhecia ninguém”, conta. Outras surgem quando alguma coisa a faz recordar-se da viagem, como uma reportagem na revista sobre a Guatemala ou o casamento de uma prima com um libanês. Algumas nascem como forma de escape. “Escrevi a crónica do Brasil porque o nosso cão morreu, estava muito triste e tinha que pensar noutra coisa, então fui buscar tudo o que tinha guardado da viagem e entre rever tudo, escrever a crónica, mandá-la e ficar na expectativa de ver se já foi publicada e aquilo tudo, quando saiu [na revista] a depressão já tinha passado”, sorri.

Um dia Maria Clara quer repetir o Egipto. E falta-lhe o Nepal, o primeiro nome que surge numa outra pasta, onde guarda todos os artigos sobre destinos que ainda quer visitar. “Agora se calhar já não vou, mas se as coisas se recompuserem nos dois países e se eu tiver forças, gostava. Depois [as outras viagens] é o que aparecer”. M.G.

 

Maria João Castro
47 anos, Caldas da Rainha

Cinquenta. Um número redondo, meia centena de artigos publicados entre Janeiro de 2009 e Junho de 2014, diz-nos sem hesitar num email entre viagens. “Vinha lendo o registo de outros leitores e depois pensei: ‘espera, eu também gostava de partilhar a minha experiência de viagem’.” Acabou por trazer relatos de muitos passeios por Portugal e pela Europa, de cidades na Índia, em Zanzibar, no Vietname, na Malásia, na Jamaica e outros tantos países distantes pelo mundo. “Fi-lo porque achei que, se escrevesse com intenção, podia motivar leitores a viajar”, conta. “Foi um processo natural que me deu muita satisfação, partilhar destinos e memórias de viagens com outros leitores.” “Até ganhei um passatempo intitulado ‘Novos Olhares sobre o Mundo’ com um artigo sobre o Quénia. O prémio foi uma viagem à Tunísia, uma surpresa muito agradável que não estava, de todo, à espera”, recorda.

Muitas vezes, as crónicas que enviava para a Fugas eram “excertos de textos mais desenvolvidos que havia vindo a construir antes, durante e depois de viajar”. O facto de ser investigadora em História da Arte Contemporânea levava-a “a procurar aprofundar o conhecimento por detrás” do que via. A dada altura fez sentido passar os textos a livros. Em 2012, nasceu Notas de Viagem, com “trechos de cidades e áreas” por onde andou. No ano seguinte, Itinerários Perdidos, onde narra “algumas atmosferas dos países que visitou e por onde se demorou”. E em 2014 Transiberiana, que “descreve uma única viagem, desde São Petersburgo até Pequim, ao longo de mais de nove mil quilómetros de linha férrea”.

De todos os destinos, os predilectos ligam-se “mais a afectos do que com paisagens ou lugares”. Cuba, por exemplo, seduziu-a “tanto” que voltou ao fim de quinze dias “num momento de saudável desvario” e novamente no ano seguinte, corriam os finais dos anos 1990. Em cada regresso, a “eterna pergunta”: Tienes família en Cuba?, desconfiavam do apelido pouco bem-vindo. No mês passado, regressou a Zanzibar, dez anos depois de lá ter ido inspirada por uma reportagem que lera na Fugas. “O reencontro não podia ter sido melhor. Não tem nada de especial, e no entanto… Há lugares que não se explicam, sentem-se, não é?” M.G.

 

Ademar Costa
58 anos, Póvoa de Varzim

Se nos encontramos junto ao mar é porque é natural. Para quem vive na Póvoa de Varzim é quase incontornável, para quem gosta de poesia é a própria poesia. “Tem vida, deu novos mundos ao mundo.” É normal encontrar Ademar Costa a caminhar por aqui, entre o casino e o porto de pesca, máquina fotográfica no bolso, em busca da “ocasional distracção das coisas” — cita Herberto Helder, como haverá de citar Pablo Neruda ou Rosalía de Castro (tem sempre um verso na boca e outro na ponta dos dedos — o resultado são alguns livros publicados e a participação em antologias).

Hoje, dia de sol abundante, veste uma t-shirt especial, feita para a ocasião: azul, com a inscrição “Fugas” no mesmo lettering da revista. É uma espécie literal de “amor à camisola”, que há dois natais resultou numa árvore decorada apenas com exemplares da Fugas. “Não foi fácil prendê-las, os ramos são frágeis”, lembra. Mas a sua imaginação não o deixa em paz. E também por isso é leitor desde o primeiro momento da Fugas, gosta de ler sobre grandes viagens, países longínquos, que não conhece. “Viajar é viver e podemos viajar através da leitura e da escrita”.

E assim fala das suas viagens, as reais e as outras. Nasceu em São Paulo, viveu em vários locais de Portugal até, há 18 anos, ter assentado na Póvoa de Varzim; por motivos profissionais passou alguns meses em Agadir e nos Açores; visitou Madrid, Barcelona, Paris, Londres “durante a Guerra das Malvinas”; conhece bem Portugal. Contudo, já esteve em muitos mais países. “As outras viagens são feitas através da Fugas.”

Ademar começou a enviar textos para a As fugas dos Leitores há mais ou menos três anos. “Sempre li e gostei até que um dia li com mais atenção e decidi escrever. Foi logo publicado”, recorda. “O meu exercício é porque gosto de escrever, não estou à espera que seja publicado. Sei que depende da oportunidade, da actualidade.” Tanto escreve sobre a sua cidade como de paragens mais distantes e não esquece que um dos textos que mais gostou de ler foi o de uma leitora que perdeu uma chave na serra da Estrela. “Achei interessante como a partir desse episódio conseguiu comunicar.” É o que ele gosta de sentir (e de provocar): “O interesse com uma vivência muito directa dos sítios. Tem mais sentimento.”

A Fugas é, assim, um repositório sentimental, “como um livro” a que se regressa muitas vezes. “É para guardar, encadernar e consultar”, diz. Quando é publicado compra dois exemplares: o segundo é para recortar a “sua” página e colocar num dossier (num dos muitos que tem, uma vez que é assíduo nas colunas de leitores de várias publicações). Agora, reformado, está a preparar um plano de viagens, low cost, mais intenso. Fora de Portugal. Seja publicado ou não, sabemos que vai escrever sobre elas. Andreia Marques Pereira

 

Augusto Küttner Magalhães
65 anos, Porto

Está a poucas horas de partir para um fim-de-semana em Vila Viçosa, a convite do presidente da Fundação Casa de Bragança, Marcelo Rebelo de Sousa. Augusto Küttner Magalhães não é um viajante empedernido “por questões económicas”, sublinha, mas sempre que pode escapa-se por Portugal. Um fim-de-semana, um feriado são bons pretextos para um passeio, e um passeio é um bom pretexto para escrever.

Na verdade, para Augusto todos os pretextos são bons para escrever, o que o tornou uma presença regular em secções de Cartas ao director de vários jornais, com algumas polémicas mais ou menos públicas à mistura. “Sempre escrevi, achava muita piada, aliviava-me imenso.” E também lhe trouxe alguns dissabores, quando no trabalho lhe pediram que deixasse de o fazer. Disseram que “tinha um nome que dá no ouvido” (a família materna é austríaca, fugida depois do Anschluss) e não queriam que as suas opiniões se confundissem com a empresa, no caso uma produtora de vinho do Porto. “Mas se eu nunca escrevia sobre vinhos ou os chamados temas fracturantes”, recorda, “era uma espécie de censura sem o ser”.

A sua presença regular nas fugas dos leitores é, portanto, uma consequência natural desta sua espécie de participação cívica. Tanto escreve sobre Serralves em Maio como sobre a viagem “de cinco dias, baratinha”, que todos os anos faz pela Europa; tanto vai a um turismo rural em Évora como à Régua porque leu algo na Fugas que lhe chamou a atenção; tanto faz projectos de viagens baseados na Fugas (Bristol será um dos próximos) como lê sobre locais onde sabe que nunca irá; tanto aprende por que é o que vinho verde se chama verde como se mantém informado sobre os carros “sem ter de comprar revista de automóveis”.

E depois de lidas as revistas quase nunca as guarda. Às vezes fá-lo, para consultas, para inspiração, quando há uma viagem a alinhar-se no horizonte. O normal é juntar uma série delas passá-las ao filho, “nunca se desactualizam”. Mas Augusto parece ter a pressão da actualidade: um dia depois do regresso de Vila Viçosa, três dias depois da nossa conversa, recebemos um texto sobre o seu fim-de-semana. Quem sabe se não o leremos nas páginas da Fugas? A.M.P.

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