- De onde vens? – perguntam-me.
- Portugal.
- E como vieste aqui parar? Andas a conhecer os Estados Unidos?
- Não. Vim directa e exclusivamente para aqui.
- Wow! You’re crazy, girl!
Abro o livro que levei comigo e mostro as imagens no interior. Fiquei a saber da existência do Burning Man através do livro Estou Nua. E Agora?, de Francisco Salgueiro. Bastou uma rápida pesquisa na Internet para perceber que se tratava de um evento megalómano. Já apelidado de Woodstock dos tempos modernos, o Burning Man é o maior evento artístico do mundo e acontece uma vez por ano em pleno deserto – Black Rock Desert – no estado de Nevada, EUA. Mais do que um evento, o Burning Man é um modo de estar, uma libertação do corpo e da mente. Um misto de emoções dentro do peito difíceis de traduzir em palavras. Uma sensação de liberdade individual e ao mesmo tempo de união humana. Todos os homens num só Homem, representado por uma grande estátua em madeira: The Man.
Conseguir os bilhetes não é tarefa fácil. Há gente de todo mundo a querer participar. Quase 70.000 pessoas reúnem-se todos os anos para assistir à queima do Homem, ritual que dá nome ao evento. Juntamente com o bilhete de entrada vem um guia de sobrevivência. As regras são muitas e precisas. Para poder participar neste evento é necessário levar consigo provisões para toda a semana. Uma das formas mais originais de participação é estar inserido num Theme Camp, ou seja, acampamentos alusivos aos mais variados temas: pintura, fotografia, escultura, etc.
Chegar ao deserto do Nevada é uma verdadeira aventura. São longas as filas de automóveis e autocaravanas, há quem espere muitas horas para entrar. Finalmente avisto a estátua The Man, que se distingue como marco de presença humana naquele lugar inóspito. À entrada há um ritual de boas vindas aos virgins, aqueles que pela primeira vez chegam à terra encantada.
Alguns membros da organização dão as boas-vindas aos recém-chegados e os estreantes são convidados a rolarem na poeira, sendo como que baptizados, só que em vez de água, com pó! Aágua é racionada e imprescindível para evitar a desidratação. Logo, esqueçam banho e conforto. Substituam tudo isso pela quantidade de dádivas que vão receber das pessoas extraordinárias que vão cruzar o vosso caminho. E quanto à sujidade corporal: toalhitas, levem muitas toalhitas!
A partir dali tudo o que acontece no Burning Man não fica no Burning Man, mas é difícil de partilhar sem ser vivido. Não há necessidade de dinheiro, nem existe qualquer tipo de transação comercial dentro do espaço. A única transação é dar e receber. E a partilha acontece em qualquer momento e em qualquer lugar. “Mas não passaste fome?”, perguntam-me. A resposta é não. Precisamente por causa dessa partilha que surge a todo o instante. Há sempre alguém que te convida para beber ou petiscar durante o teu passeio de bicicleta. E, garanto, logo a seguir a água e comida, a bicicleta é o bem mais essencial para participar neste evento. É o meio de transporte mais utilizado e que permite fazer um efectivo reconhecimento do local. Sem ela dificilmente teria tido tempo suficiente para explorar todo o espaço. Além disso, pode e deve ser enfeitada de forma criativa e tornar-se um meio divertido de participação.