Nos anos durante e após a II Grande Guerra Mundial as dificuldades nas aldeias do interior de Portugal eram inenarráveis. Orgulhosamente sós, nesses ermos remotos e isolados, faziam-se filas para o pão e para as rações de comida, que eram dadas através de senhas. A minha mãe e os irmãos andavam com a neve até aos joelhos para arranjaram comida, tal era a escassez e a míngua. Minha mãe foi para Lisboa, servir na casa de uns senhores, como se dizia à época. A minha tia foi para o Brasil. Pelos mesmos motivos. Para fugirem à fome em busca de trabalho e melhores condições de vida que uma aldeia em Granja a Nova, Lamego, na altura não lhes podia dar.
Apesar de ter mais irmãos, a minha mãe sempre nos fala desta sua irmã que foi para o Brasil. Já lá vão quase, quase, oitenta anos. Nunca mais ninguém soube nada dela. Desde aí, o Brasil, país-continente, sempre encerrou para mim uma aura mística. A primeira actualização de Brasil só viria anos mais tarde, nos anos 70 do seculo XX, graças à Ordem e Progresso do futebol de Pelé e companhia, bem como o Carnaval em Fevereiro, e por arrasto esse tipo de dança de raízes africanas, o samba. Aliás, se há países que se possam identificar pela sonoridade da sua música o Brasil é um deles.
Em 2003 tive a sorte e a felicidade de poder realizar um dos meus sonhos de infância: ir para e ao Brasil. Sorte de podermos ir. Felicidade por levar comigo a minha esposa, a Ana Maria, e a minha filha Andreia. E, claro, três bons amigos, o Paulo, a Paula e o filho deles, o João. E só então eu aprendi que o Brasil são muitos brasis dentro de um Brasil.
“Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra a Terra de Vera Cruz” (Carta de Pero Vaz de Caminha, a El-Rei D. Manuel, sobre o achamento do Brasil em 22 de Abril de 1500)
14 de Agosto de 2003. O voo com destino à cidade de Porto Seguro, no estado brasileiro da Bahia tinha hora prevista de partida, do aeroporto lisboeta da Portela, por volta 12h. Tinha, disse bem: saiu às 18h. Quando aterrámos no Aeroporto de Porto Seguro, “ali” na Avenida Brigadeiro Faria Lima, a 2km do centro da cidade, era quase meia-noite, hora local. Declarações de Saúde do Viajante do Ministério Brasileiro da Saúde em dia e entregues com os passaportes. Declaração do Ministério da Fazenda de Bagagem Acompanhada (residente no país) entregue à Policia Federal e ala que se faz tarde para seguirmos caminho. O nosso destino final? A embelezada e multicolorida Vila de Arraial d’Ajuda, que ainda ficava a quase a uma dezena de quilómetros pela frente. E, pior, ainda tínhamos de atravessar um rio, o Buranhém, de “balsa”. Para quem ainda não veio a este Brasil, o rio Buranhém une fluvialmente, deste lado do território e através de uma “balsa”, a cidade de Porto Seguro à vila de Arraial d’Ajuda.