Fugas - dicas dos leitores

DR

A nossa viagem a Cuba

Por Gonçalo Dorotea Cevada

Pouco depois da hora de almoço aterrei sozinho em Havana. Meio adormecido, olhei para o vidro do telemóvel e vi-me sem fato nem gravata, meio despenteado e com a barba por fazer.

Senti-me feliz. Percebi que estava de férias. O calor, a humidade e um aeroporto “soviético-tropical” davam-me a boas vindas, e o cinzento frio de Londres tinha ficado para trás.

Ainda antes da hora de jantar, chegava o segundo elemento, a Teresa. Horas depois chegou o Diogo, e mais tarde a Cristina. Estávamos finalmente todos juntos. Um grupo de quatro amigos emigrados e migrados pelo mundo.

Poderia ter optado por escrever um daily report daqueles quase quinze dias na ilha dos Castro, com uma descrição exaustiva e detalhada das praças e dos monumentos que visitámos, mas seria certamente demasiado aborrecido para quem acaba de ler esta frase. Por isso, preferi escrever sobre a nossa experiência, a humana, a Cuba.

Cuba foi o quinquagésimo país que visitei, número redondo que, por si só, me poderia fazer pensar que já poucos povos e lugares me pudessem surpreender. Enganei-me. Cuba tem algo de único. Algo de diferente e, sobretudo, algo de mágico, que apenas um pedaço de terra esquecido entre as azuis águas das Caraíbas pode, num mundo globalizado, manter.

Não sei se a razão da magia reside na forma como vivemos e procurámos viver esta viagem, mas arriscaria num sim. Fugimos de “pacotes de agências de viagens” feitos à medida de quem procura sol e mojitos. Queríamos mais. Por isso, cada um comprou a sua viagem de avião e cada um procurou uma casa particular cubana para ficarmos alojados nos diferentes lugares que visitámos. Infelizmente, por falta de alternativas mais autênticas, em Cayo Coco e em Cayo Santa Maria acabámos por ficar (três noites) em “hotéis modelo”, a imitar o estilo tropical, com riachos e plantas falsas, buffets livres repletos de cascatas de marisco, norte-americanos numa competição de excesso de peso e animadores locais vestidos de Carmen Miranda. Ok. Basta. Falemos antes de Cuba e não de ilusões fabricadas de gosto duvidoso.

A nossa viagem a Cuba, permitam-me, foi melhor que isto. Foi na nossa viagem que conhecemos o Ariel, a Elena, o Alejandro, as prostitutas da Casa de la Música de Havana, o Pedro e a Carmen, e tantos outros homens e mulheres com histórias fascinantes para contar, e que com a maior das generosidades as partilharam connosco. “Doutores” taxistas, advogadas prostitutas, recém-proprietários de verdadeiras obras da arquitectura colonial espanhola, revolucionários do regime e contra o regime, gente culta, músicos e artistas. Numa palavra, filhos e enteados de uma revolução com mais de cinquenta anos.

Cuba encerra em si o sonho revolucionário de alguns, o resultado desastroso do que é o comunismo, a decadência e as misérias humanas, ao mesmo tempo que a generosidade, a curiosidade, a simpatia, a humildade e a convicção de um povo que anseia pela liberdade em segurança. Ah!, e a prostituição. A prostituição e o assédio sexual a turistas e viajeros são, hoje, formas de estar comuns, protagonizadas por mulheres cubanas das mais diversas idades. Na Casa da Música, tanto eu como o Diogo fomos abordados dezenas de vezes por mulheres lindas, com corpos quentes e bronzeados, que vendiam prazer para fugirem à fome e à miséria. Falámos com muitas delas, que o confirmaram.

--%>