Há uma força estranha a remexer no Sudoeste: arribas em perigo de derrocada, buldózeres nas dunas, praias que encolhem de um dia para o outro e um brilho gorduroso de petróleo a surgir à tona de poças escondidas na mata.
Antes de ser um festival, o Sudoeste já era um parque natural — o do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina. E muito antes disso, já era terra de pescadores, navegadores, trabalhadores “do campo”, viajantes e guardadores das margens.
Até aqui, o equilíbrio da paisagem foi partilhado por quem a habitava e trabalhava e por aqueles que sazonalmente a visitavam, fugindo ao turismo de massas de outros lugares ao Sul.
A chegada das máquinas à orla costeira, para a “requalificação e valorização do Sudoeste Alentejano”, recebida sem grande entusiasmo pela população local, está agora a trazer o “ordenamento” à última costa selvagem de Portugal — mais acessos e zonas de estacionamento em cima das dunas, prontos a atrair multidões.
Outra sombra se levanta ainda sobre o parque natural: a anunciada prospecção de petróleo em terra e no mar, actualmente tema de contestação nas conversas, debates e manifestações em toda a região.
A terra, como é sabido, não é pertença de ninguém; apenas se toma de empréstimo às gerações futuras. A paisagem, essa, é de todos os que a protegem, os que levantam os pés para não pisar o tomilho marítimo ou a plantago almograviensis e outros endemismos, os que olham o mar azul escuro e comem laranjas nas falésias, os que deixam em paz as cegonhas no cabo Sardão, os que apanham perceves nas rochas, os que cultivam batata doce e vinha no Rogil, perto do sítio onde o Alentejo acaba e o Algarve começa (ou será ao contrário?).
Finalmente, os dias já são maiores e a Primavera não tarda aí. É tempo de rumar ao Sudoeste e reclamar a nossa paisagem como ela é: humanizada e natural, rara e selvagem. Dos “medos” de Pero Vicente, chega-se num instante, por entre pinhais e dunas, à praia de Vale dos Homens. A baixa-mar revela pequenos mundos escondidos nas rochas e poças de maré, caleidoscópios de anémonas, ouriços e estrelas do mar, num cenário agreste mas tónico. Por ali perto, há uma quinta de turismo rural, onde se come de acordo com as estações do ano, o que o mar deu ou o que a tradição apurou, que “comida também é cultura”.
Em Março e Abril, as dunas transformam-se em tapetes floridos até ao mar, multicolores às vezes, manchados de tons rosa suave da armeria marítima quase sempre. Em Junho, é a vez do amarelo da joina predominar.
O aroma a caril e a rosmaninho dará lugar, nos meses quentes, ao cheiro intenso da esteva que se cola ao nariz, à pele e às memórias do próximo Verão que não queremos que seja o último no Sudoeste Alentejano.