Fugas - dicas dos leitores

Ana Torres

A felicidade contida na sabedoria maasai

Por Ana Torres

“Pole pole!” (“Devagar”), implora Paulo em suaíli, assustado com a velocidade a que o nosso guia Kinara conduz pelos trilhos irregulares do Parque de Maasai Mara. Ana, Paulo e Iara. Três portugueses à descoberta do Quénia e com um objectivo em comum: visitar uma aldeia maasai.

“Na verdade, ‘Ma’ refere-se à língua que as tribos falam, ‘sai’ alude à roupa e ornamentos utilizados pelos mesmos, e ‘Mara’ descreve a paisagem irregular da região”, instrui-nos Kinara no momento em que paramos o jipe, junto da cerca de ramos que protege o povoado dos animais selvagens. “Cada aldeia é constituída apenas por membros da mesma família e esta tem cerca de 100 habitantes”, continua ele.

Assim que os nossos pés tocam o solo, vimo-los surgir: uma mancha arco-íris que contrasta com a paisagem árida da savana. À medida que se aproximam, admiro os tecidos étnicos e os andrajosos colares de missangas. Dispostos lado-a-lado, entoam cânticos que se transformam num ritual de sedução, quando duas fileiras de homens e mulheres se enfrentam. De fora desta actividade ficam, porém, os mais idosos que se resguardam do sol africano que teima em brilhar impiedosamente nesta manhã.

Entre saudações e cliques para registar fotograficamente o que a minha mente jamais esquecerá, espreito pela estreita abertura que se abre entre os galhos da sebe e que me deixa antever um pátio amplo rodeado por casas cor de terra. A curiosidade parece ser recíproca: duas meninas de uns cinco anos perscrutam-me com o olhar e perdendo a timidez inicial batem-me na palma da mão, num típico high five americano.

Após o pagamento de uma gratificação de 2000 xelins (20 euros) a Mpatiany, chefe da tribo, somos admitidos na aldeia. Aqui, eu e a Iara somos convidadas a juntarmo-nos ao canto das mulheres, enquanto o Paulo é desafiado a entrar numa tradicional competição de saltos entre os jovens guerreiros. Olho em redor, deslumbrada por estar na presença de uma cultura tão rica e diferente de tudo aquilo que já vivenciei. Contudo, sou ainda mais surpreendida quando Mpatiany me revela o material utilizado na composição das casas: lama, ramos e… estrume animal!

A minha expressão não consegue disfarçar o espanto e Dominic (filho do chefe) chama-nos para conhecermos o seu lar. Não há qualquer odor: “Nós utilizamos um óleo, que misturamos com lama para neutralizar o cheiro”, esclarece. Inspecciono o espaço. Duas divisões, duas camas, duas janelas circulares. A família de um lado, o gado do outro, compartilhando o mesmo lar mas em quartos diferentes. Perante as descrições do jovem maasai, imagino pais e filhos a descansar nas esteiras cobertas por pele de vaca, e a fogueira que arde a meio aquecendo as noites mais frias.

Sendo o mais velho de oito irmãos, nascidos das quatro esposas do chefe (os maasai são polígamos, embora cada consorte possua casa própria), Dominic é um anfitrião caloroso que vai respondendo às nossas questões com uma paciência infinita. Explica-nos que os homens erguem a cerca que protege a aldeia e tomam conta do gado, mas que a construção das casas, bem como produção de artesanato, ficam a cargo das mulheres. As proles numerosas distribuem-se por duas moradas, ficando a avó materna responsável por acolher parte das crianças.

Por falar em descendência, os filhos do chefe são os únicos com direito garantido a instrução escolar, embora esta prática não seja vista com bons olhos pelo governo do Quénia, que luta pelo aumento da sua taxa de escolarização (o ensino primário é gratuito desde 2003). A escola é também um meio de acesso a meios de comunicação não disponíveis anteriormente: “Os portugueses ganharam o Europeu por sorte! Eu assisti a todos os jogos nos intervalos das aulas”, exclama Dominic, assim que lhe revelamos a nossa nacionalidade.

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