Fugas - dicas dos leitores

O Carnaval de Veneza não é uma festa, é um quadro vivo

Por Ana Torres

Ir a Veneza pelo Carnaval era um sonho antigo: desde miúda que ficava colada à televisão, a ver imagens de máscaras tão belas que mais pareciam retiradas de um sonho.

Este ano decidi testar se a realidade seria melhor do que a imaginação, e num impulso comprei o bilhete de avião que me levou à cidade dos canais.

Na verdade, o Carnaval de Veneza já deslumbra o mundo muito antes de eu ser gente: existem relatos da sua existência desde 1094, sendo que a partir do século XVI ganhou força, já que a nobreza aproveitava estas festividades para sair disfarçada e se poder misturar com o povo. As máscaras tornaram-se assim o elemento principal do evento; hoje, os venezianos continuam a fantasiar-se de forma irreconhecível, transformando a cidade durante duas semanas.

Desta forma, multiplicam-se os bailes requintados, cortejos e disfarces que recriam maioritariamente o estilo de nobres de antigamente, ou personagens que tiveram origem no teatro como os pierrôs, colombinas e arlequins. É isto que constato logo à chegada, quando passeio por Veneza e me fascino com os mascarados em trajes luxuosos que posam à beira dos canais, recriando imagens que me fazem lembrar um quadro vivo.

Contudo, apesar de o Carnaval se celebrar por toda a cidade, as actividades principais concentram-se na Praça de São Marcos. É para lá que me dirijo, manhã cedo. É também nesse local que são inauguradas as festividades com o Voo do Anjo, onde a rainha do concurso de beleza realizado no Carnaval anterior (“Premiazione della Maria”- Coroação da Maria) desce do Campanário de São Marcos a ‘voar’ por um cabo de aço, perante a multidão em êxtase. Como optei pelo último fim-de-semana de Carnaval para visitar a cidade já não irei assistir ao evento mas, em compensação, é expectável que as festividades estejam ao rubro porque se aproxima a eleição da melhor fantasia da competição, La Maschera più bella.

Caminho na direcção da estação de vaporetto mais próxima, enquanto a cidade começa a despertar. Vejo bancas de rua que começam a tomar forma enchendo-se de cor e, contagiada pelo espírito da festa, compro numa delas uma máscara de columbina em tons de azul. Quando navego no vaporetto, já algumas borboletas voam na minha barriga ante a expectativa do que irei encontrar. Veneza não me desaponta. Mal desembarco na Praça de São Marcos, sou assaltada por um cenário digno de filme: à beira do Grande Canal, vários mascarados aproveitam a água cintilante para acentuar ainda mais o brilho dourado ou prateado das suas máscaras.

Muitos jogam com acessórios para aumentar a teatralidade do cenário, como o nobre que perscruta a multidão com uma lupa, a dama que enverga timidamente uma sombrinha ou a bruxa má que empunha o seu ceptro. Outros aproveitam habilmente as fachadas dos edifícios, sentando-se na escadaria de entrada do Campanário de São Marcos em poses altivas ou resguardando-se nas arcadas do Palácio dos Doges em curiosos jogos de luz e sombra. Por último, existem aqueles que, seguindo a máxima popular “a união faz a força”, posam em equipa, como o casal fantasiado de criaturas aquáticas que se abraça no cais recriando uma cena idílica ou o grupo que mimetiza uma partida de cartas.

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