O que têm em comum um hostel portuense com preços a partir de dez euros por noite e um hotel de luxo na mesma cidade onde a diária custa, no mínimo, 200 euros? Em que palavra se unem estes dois segmentos? Iniciamos o périplo pela cidade com as perguntas no bloco de notas e terminamos com uma palavra na cabeça: Porto.
Quando a notícia de que a cidade havia arrecadado pela segunda vez o prémio de melhor destino europeu do ano estourou, Joana Dixo partilhou-a imediatamente no Facebook. Aquele prémio também era dela e do seu hostel aberto em Novembro de 2011 em plena Rua de Mouzinho da Silveira. No luxuoso Intercontinental, Eric Viale, o director-geral, teve exactamente a mesma sensação: “É um pouco nosso que temos o ADN do Porto e trabalhamos para o passar aos nossos hóspedes.”
Na cidade cabem ofertas tão opostas como as do Porto low-cost, do Porto de luxo e mesmo do Porto de charme, que este mês abriu um novo espaço, o Ribeira do Porto Hotel, bem pertinho da emblemática ponte Luiz I. Os segmentos não rivalizam porque trazem coisas e pessoas diferentes à cidade, dizem em uníssono os responsáveis dos espaços que a Fugas visitou dias depois de o Porto arrecadar o prémio da European Consumers Choice.
Ainda sem os dados de Dezembro, em 2013 a região já tinha ultrapassado os números de dormidas a que os associados da Associação de Turismo do Porto se tinham proposto. A procura subiu para dois milhões e 500 mil dormidas, mais 14% do que em 2012. E a tendência é para que continue a subir.
Junto à estação de São Bento e com o Teatro Nacional de São João a dois passos, o Tattva Design Hostel, que arrecadou recentemente o prémio de melhor hosteleuropeu de grande dimensão, é todo Porto por fora. A fachada do edifício da Rua do Cativo, herdado por um dos proprietários, foi recuperada para ser assim: tipicamente portuense. Lá dentro a história é outra: “Por opção” — salienta a proprietária Himali Bacho, há 13 anos a viver no Porto —, os empresários decidiram “apostar num design clean”. “Acreditamos que a cidade vive-se fora de portas, aqui quisemos manter alguma neutralidade”, explica Himali, que gere um hostel com elevador e completamente preparado para pessoas com mobilidade reduzida.
A vista única que se tem da cidade a partir do hotel de luxo The Yeatman, em Gaia, dispensava qualquer outro investimento na decoração. É como um gigantesco quadro que pode ser visto de todos os 82 quartos, das fabulosas piscinas (interior e exterior), do restaurante com uma estrela Michelin ou da esplanada de apoio ao bar que conta com 76 parceiros vínicos. Mas a aposta foi em ter o Porto e o Norte de Portugal presente um pouco por todo o hotel — nas decorações nos corredores, nos elevadores, nos quartos, na própria gastronomia e, claro, nos vinhos.
Se a cidade dá a quem nela trabalha cenários impagáveis e uma história memorável, o que pode a oferta hoteleira dar à cidade? No The Yeatman e no Intercontinental há equipas que trabalham especificamente na atracção de turistas. “Quando promovemos o Porto, 75% tem a ver com o destino em si e só 25% com o hotel”, contabiliza Eric Viale, do Intercontinental, hotel de cinco estrelas com vista para a Avenida dos Aliados que conta com 105 quartos, um restaurante e bar abertos ao público, ginásio e spa entre os serviços disponibilizados.
Miguel Velez, director-geral do The Yeatman, vai mais longe: “Somos os maiores promotores privados do Porto e do Norte de Portugal.” A publicidade é feita nas maiores feiras de turismo do mundo, em road shows, actividades de turismo nacional e com a aposta em quatro agências internacionais, em Inglaterra, na Alemanha, nos EUA e, muito em breve, no Brasil. “O que faz o Porto é o Porto. A história da cidade é muito maior do que qualquer hotel. O nosso papel foi trazer clientes de grande luxo”, diz.
Os prémios que o hotel vai coleccionando (como o de melhor hotel spa da Europa, por exemplo) atraem também gente para a cidade e impulsionam a economia. Há dúvidas? “Temos clientes que vêm porque querem conhecer o hotel e que chegam de jactos privados ou helicóptero”, diz Miguel Velez. Mas nem só o segmento muito alto faz o sucesso do The Yeatman. “Há clientes que vêm cá jantar e nos dizem que ficam alojados em lugares mais baratos. O turista low-cost do Porto não é o turista pé descalço”, analisa, acrescentando que 50% das pessoas que frequenta o hotel (não só para dormidas mas também para o restaurante, bar ou spa vinoterapêutico) é de Portugal.
Porto: a melhor publicidade
Quando, há uns anos, os proprietários dos hostels Dixo’s e Tattva perguntavam aos hóspedes por que tinham decidido visitar o Porto, havia uma resposta muito frequente: “Porque é um destino barato.” “Muita gente vem por isso. E depois descobre o Porto e as pessoas e querem voltar, claro. Temos muitos repetentes”, conta Joana Dixo.
A vénia pelo fenómeno é feita por todos ao aeroporto Francisco Sá Carneiro e à Ryanair, que com a sua base na cidade trouxe já milhares de turistasao Porto. Agora, deseja Miguel Velez, é “preciso trabalhar mais e atrair outras rotas”. Desde o início do mês que a easyJet voa do Porto para Paris e também a Europe Airpost já disse pretender iniciar voos regulares para vários destinos de França.
Uma hóspede toca guitarra e trauteia uma música, alheia a quem entra. Na recepção do Dixo’s, há instrumentos musicais, televisão, Playstation e livros. Há fotografias da cidade penduradas numa corda e quadros alusivos à Invicta. Num mural forrado a cortiça, panfletos de todos os géneros: restaurantes da cidade, bares, mapas. Atrás do balcão da recepção lê-se: free walking tours.
A miscelânea funciona exactamente como Joana Dixo quer — percebemos minutos depois, quando a anfitriã explica o conceito do seu hostel. “Queremos que os hóspedes sintam o Dixo’s como uma casa longe de casa” e que “conheçam o Porto de uma maneira local e não turística.” A cada piso há um mural alusivo à cultura portuguesa e no quinto e último a prenda final: uma vista fabulosa sobre a cidade num pátio onde se servem pequenos-almoços e se fazem churrascos.
A falta de apoio do Turismo de Portugal, que não inclui os hostels nos seus roteiros, é uma mágoa que os proprietários destes espaços não escondem. “Temos todas as obrigações de um hotel e nenhuma regalia”, lamenta Joana Dixo. “E por isso o prémio que o Porto ganhou é ainda mais importante para nós, ajuda-nos a promover o nosso trabalho.”
Aberto há menos de um mês, o Ribeira do Porto Hotel, aposta familiar do grupo Tomaz do Douro, veio responder aos frequentes apelos dos hóspedes que passeavam nos barcos da empresa de cruzeiros. Com seis pisos e 18 quartos, o hotel de charme — ainda sem cotação definida a nível de estrelas — vem preencher um segmento médio e procura atrair turistas com mais idade. Com as paredes de pedra e fotografias gigantes de promoção da cultura portuguesa como pano de fundo, Ana Bessa, gestora de comunicação e marketing do hotel, fala dos “programas especiais que aliam os cruzeiros à estadia no Porto” como uma das principais formas deste boutique hotel ajudar na promoção da cidade.
Mas no sentido contrário há também algo a fazer: “A Câmara do Porto tem de deixar de nos ver como inimigos. Nós investimos na cidade, trazemos gente e temos de ser encarados como parceiros de uma vez por todas”, apela Joana Dixo.
O resto “não tem grande segredo”, resume Ana Bessa quando questionada sobre o que fazer para que o Porto possa repetir prémios como o de melhor destino europeu: “Só temos de manter a mesma postura, a mesma forma de receber. O Porto é a melhor publicidade para o Porto”.