Fugas - hotéis

Sob o feitiço da rainha de espadas

Por Simone Duarte

Começou como uma pensão nos anos 1970, hoje é a meca do jet set turco e internacional. Fomos a Türkbükü, a St.Tropez da Turquia, conhecer o Maçakizi, refúgio dos que fogem do luxo em busca do bom gosto.

As curvas da estrada da Península de Bodrum não escondem os imensos outdoors que chamam a atenção do viajante para os luxuosos hotéis que se aproximam. Se Bodrum é hoje o reduto dos mochileiros de todo o mundo, as vilas em redor exibem algumas das cadeias de hotéis cinco estrelas mais cobiçadas por quem tem muito dinheiro: Mandarin Oriental, Kempinski, Rixos, Aman Resorts… Chega a ser um alívio quando o motorista se perde ao tentar achar o Hotel Maçakizi, que significa rainha de espadas. Mal vê o discreto portão que pode ser confundido com o de uma elegante casa de praia. Os desavisados nem notam a placa em madeira rústica e as letras pintadas em castanho, meio apagadas pelo tempo – M-a-ç-a-k-i-z-i. É aqui que começa a história de Ayla Emiroglu e da nossa viagem ao Maçakizi, o objecto do desejo de quem pode pagar de 435 a quase 3000 euros por uma noite nas margens do mar Egeu. 

“Não cheira a Hilton, nem a uma grande cadeia de hotéis” – diz o sommelier italiano Massimo Bordina, responsável pela carta de mais de 400 vinhos do restaurante do hotel. “Não somos o Four Seasons”, garante o gerente geral, o australiano Andrew Jacobs. “ Aqui a hospitalidade é genuína e você nunca vai ser atendido da mesma maneira todos os dias. Instruímos os funcionários a fazer você feliz à maneira deles. Não somos imunes ao erro, mas cada um vai corrigir a seu modo e ritmo. Não há uma fórmula a seguir, só um lema: fazer o hóspede feliz. É difícil você encontrar esta genuinidade num Four Seasons.” Andrew mostra discretamente um casal de ingleses que vêm todos os anos pelo menos uma vez. “Já me avisaram que desmarcaram o outro hotel que tinham reservado e vão vir em Setembro pela segunda vez. É que aqui sentem que o contacto é genuíno.” Bordina confirma: “ Este hotel foi construído aos poucos em torno de uma família. É mais humano.”

Foi a cabeleira vasta e negra de Ayla Emiroglu que deu origem à alcunha rainha de espadas. Viúva de um jornalista de Istambul, veio para a península de Bodrum nos anos 1970 e abriu uma pensão por onde passaram alguns dos principais intelectuais, artistas, escritores e poetas da época. Nem electricidade havia. Anos mais tarde, já na década de 1990, Ayla voltou a provocar uma pequena revolução inaugurando o primeiro beach club da Turquia e introduzindo o conceito de deitar-se em espreguiçadeiras em decks de madeira à beira-mar. Era a época em que Mick Jagger ou Madonna passeavam sem serem reconhecidos entre os pescadores que não tinham ideia de quem eles eram. Depois foi a vez de criar o hotel boutique em Türkbükü, hoje administrado pelo filho Sahir Erozan, que viveu mais de 20 anos nos Estados Unidos e foi dono de alguns dos cafés e restaurantes mais badalados da capital, Washington, frequentados pelos Kennedy e pelos Clinton. 

Ayla pode não aparecer muito por aqui, mas a sua presença emana dos pequenos detalhes, como o porta-chaves com o símbolo da rainha de espadas, em fotos nos quartos, nas esculturas e quadros e até nas caixas de fósforos ou no toque do sino que anuncia o almoço, o mesmo que tocava na pensão dos anos 1970. A rainha de espadas está por todo o lado, o tempo todo, a seduzir-nos. 

Se há algo mais que nos seduz e invade a colina de casario branco são as buganvílias que parecem ocupar todo o espaço. Os oitenta quartos e villas, todos com varandas, são elegantemente simples – ou simplesmente elegantes. Tudo o que está ali é criação de designers turcos, com excepção do aparelho de TV (Bose). Na casa de banho, os produtos de Acqua di Parma. Os degraus das escadas de pedra que descem em direcção ao Mediterrâneo levam-nos ao imenso restaurante onde é servido o pequeno-almoço. Uma mesa de madeira exibe os ingredientes. Não há nada aqui que não seja fresco. Há sempre sugestões de sumos e a vista exuberante do mar azul e verde. Um pouco mais abaixo, o segundo restaurante, onde são servidos o almoço (buffet) e o jantar sob as oliveiras (as diárias do quarto incluem o pequeno-almoço e uma outra refeição à escolha dos hóspedes). E ainda nem chegamos à praia, ou melhor ao beach club e ao seu bar, um dos sítios mais cobiçados durante o dia e as noites de Verão. 

Chegámos finalmente ao mar, ou melhor, à espreguiçadeira estrategicamente escolhida o mais próximo possível das escadas que levam ao mar. Ayhan Hangase pergunta se quero uma bebida e conta a sua história. Começou a trabalhar com Ayla quando tinha apenas 11 anos, no primeiro beach club da rainha de espadas. Lembra-se de chegar ao trabalho e encontrar Ayla limpando tudo para começar o dia e o quanto aprendeu com ela. Hoje, 25 anos mais tarde, é um dos gerentes do clube. 

Decido relaxar, observar os ritmos do Maçakizi de que me falara Andrew Jacobs na noite da chegada. São três: os dos hóspedes, em geral jovens casais bem-sucedidos de Istambul ou casais de meia-idade europeus ou norte-americanos; os dos que vêm passar o dia no beach club pelo equivalente a 75 euros (Kate Moss esteve aqui no dia anterior) e os dos que chegam para almoçar ou jantar no restaurante comandado pelo chef turco de origem arménia Ahet Sahakyan.

deck é o ponto de observação mais que perfeito. Dos iates ancorados na baía chegam as lanchas com milionários turcos ou árabes e suas mulheres e amigas em biquínis ( e tudo) de estilista. Há também lanchas só com mulheres todas cobertas da cabeça aos pés que vêm almoçar e depois saem carregadas de sacos da boutique do hotel. Há jovens australianas que vêm curtir a tarde no clube e os grupos de jovens estrangeiros que metem conversa. Há os patos a nadar aos nossos pés. Há os casais sem filhos, há os casais com filhos pequenos e há os homens de negócios que estão a fazer isso mesmo: negócios sob o sol e à beira do mar. 


Nova cozinha mediterrânica

A tarde avança e o bar fica mais cheio para o happy hour. “ Quem vem para o clube sabe que depois de duas horas de happy hour é hora de partir e deixar o hotel para os hóspedes e para quem vem jantar. Não precisamos de dizer nada”, conta Andrew Jacobs. Até agora, a banda sonora não poderia ter sido melhor: uma mistura de bossa nova e jazz no início da tarde que se mescla com o som da chamada das preces da mesquita ao longe e que é interrompida por uma batucada (sim, há samba, e é o samba-enredo da Vila Isabel, escola do Rio de Janeiro) que sucede ao soar do sino na hora do almoço, outra tradição da rainha de espadas. 

Ahet Sahakyan era cliente de Sahir Erozan num dos seus cafés em Washington. Conheceram-se nos Estados Unidos, onde Ahet acabou por ser contratado como chef de um dos restaurantes de Sahir. Quando o empresário resolveu voltar para a Turquia, Ahet veio com ele para comandar e introduzir o conceito gourmet numa época em que não havia este tipo de cultura culinária na região de Bodrum. Hoje chega a comandar 40 cozinheiros nos meses mais movimentados de Verão. A cozinha é uma espécie de babel: há arménios, turcos, gregos … “Mulheres também”, faz questão de frisar o chef Sahakyan. Servem de 250 a 350 refeições por noite. 

“Na época ninguém fazia experiências. Há quinze anos, ninguém misturava foie gras com ingredientes locais. Introduzimos a nova cozinha mediterrânica quando ninguém ousava fazer um gaspacho com carne de caranguejo, por exemplo.” O restaurante transformou-se em ponto obrigatório do viajante mais requintado de Bodrum. Todos os anos, Ahet e Sahir fazem uma viagem por algum país para estudarem as novas tendências: França, Itália, Inglaterra, Espanha. “Falta Portugal”, brinca o chef, prometendo uma visita em breve. 

chef testa connosco o menu que está a preparar para os meses mais concorridos do Verão. São quatro pratos antes da sobremesa numa noite de luar, sob as oliveiras com vista para o mar: lentilhas de beluga, creme fresco de ervas, risotto de couscous, vieiras, costelas de boi assadas, crème brulée de amêndoas com pera caramelizada. Tudo regado com Cotê D’Avanos, um dos melhores vinhos brancos turcos. Quem seria capaz de não gostar? 

São pouco mais de dez da noite e só nos apetece fugir pelo portão de trás do hotel, uma passagem frugal para a pequena aldeia de Türkbükü, ali aos nossos pés. Sentimos mesmo que estamos na nossa casa de praia a passear pela pequena St. Tropez turca e a sonhar com mais um dia perfeito sob o feitiço da rainha de espadas.

A Fugas esteve alojada a convite do Maçakizi

Hotel Maçakizi
Bodrum
Kesire Mevkii Narçiçegi Sk 48400 Türkbükü (Göltürkbükü), Turquia
Tel.: +90 252 311 2400; fax +90 252 377 6287

Email: macakizi@macakizi.com
Reservas: Derya Yaldizipek (derya@macakizi.com)
www.macakizi.com

Fica a 40 quilómetros do aeroporto de Bodrum (e a 22 quilómetros do seu centro histórico) e a três horas de carro do aeroporto de Izmir. Está aberto de meados de Abril a meados de Outubro. Preços por dia para duas pessoas com pequeno-almoço e jantar incluídos: de 435 a 3000 euros (varia da época baixa para a época alta). O buffet do almoço custa o equivalente a 45 euros. Além do beach club, tem piscina, ginásio (incluídos no preço da diária), desportos náuticos e o spa The Nuxe (os preços estão disponíveis no site do hotel)

Fora do hotel

Há possibilidade de passeios de lancha ou barco pela península ou até às ilhas gregas (Kos e Patmos são algumas delas) que ficam próximas. 

Visitar Gümüslük é boa ideia. Trata-se de uma aldeia de pescadores no extremo da Península de Bodrum mais hipster e hippie da região. Vale a pena ver o pôr do sol nos jardins do Limon Café (http://limongumusluk.com) e depois jantar num dos vários restaurantes, como o Mimoza (http://mimozagumusluk.com). Gümüslük fica a mais de uma hora de distância de carro do Maçakizi. A viagem de ida e volta de táxi custa em média 100 euros.

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