Depois de quase um ano tapada, a mais famosa estátua equestre de Lisboa, a de D. José I, viu finalmente a luz, nos últimos dias. O resultado pode não surpreender quem atravessa o Terreiro do Paço, e já não recorda a cor verde-clara da estátua, antes da intervenção, mas quando se compara o que lá está com as fotografias que os tapumes ainda exibem, facilmente se conclui que a escultura do século XVIII sofreu uma mudança notória.
A cor do monumento tem sido o pormenor que mais chama a atenção de curiosos e especialistas. A intervenção de restauro vem pôr um ponto final ao mistério. A cor original, presumivelmente dourada, não pôde ser reposta, uma vez que "um eventual restabelecimento dessa cor contém em si mesmo contradições insanáveis", explica Delgado Rodrigues, do Laboratório Nacional de Engenharia Civil. "Isto é, ainda que a cor original pudesse ser reposta, isso teria de ser feito à custa da remoção de uma espessura significativa da liga alterada, o que equivaleria a uma acção de desgaste que a natureza levará séculos a consumir."
O resultado final do restauro é um verde-escuro, bem diferente do verde-claro decorrente da acção corrosiva do bronze. Delgado Rodrigues, responsável pela intervenção, justifica a razão pela qual a estátua adquiriu esta tonalidade: "A cor da estátua foi encontrada como um compromisso entre as exigências de conservação e a coerência estética que se espera de uma obra de arte que integra um espaço público de grande significado para a cidade".
Os estudos agora realizados também não permitiram identificar quaisquer vestígios de pintura na estátua, pelo que Delgado Rodrigues vê reforçada a ideia de que a cor dourada original tenha sofrido, ao longo dos 238 anos de existência da escultura, um desgaste causado pelos agentes da atmosfera exterior que terão provocado uma corrosão progressiva do bronze, o que "significa que a superfície foi atacada" de forma irreversível.
A intervenção, que foi iniciada em Agosto de 2012, e patrocinada pela World Monuments Fund - Portugal, pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo grupo Sonae, num total de 490 mil euros, conseguiu remover as manchas verdes e as crostas negras na zona das figuras alegóricas do pedestal, bem como as escorrências dos produtos de corrosão, como a mancha alaranjada no peito do cavalo.
Sendo esta a terceira intervenção de restauro da estátua equestre, desde 1775, ano que a viu subir ao alto da recém-nascida Praça do Comércio, prevê-se que tão cedo não seja necessária uma quarta intervenção. Aliás, foi por esse mesmo motivo que o restauro durou quase um ano: "O objectivo principal foi resolver ou mitigar problemas existentes e dotar o conjunto escultórico de melhores condições para resistir à acção dos componentes agressivos da atmosfera", explicou Delgado Rodrigues. "A duração da intervenção foi longa porque os problemas não eram simples e as acções tiveram de ser realizadas com profundidade e rigor, exactamente para garantir que o conjunto tem agora muito melhores condições para resistir aos agentes de alteração que sobre ela actuam."
A contribuir também para a longevidade do monumento parece estar o facto de ele não apresentar, normalmente, dejectos de aves. Para Delgado Rodrigues, é inegável que "as aves não gostam de pousar na estátua", mas o que se diz à boca pequena é que são as serpentes de bronze, junto às patas do cavalo, e que representam os inimigos internos do Estado governado por D. José I, que afastam os pombos e as gaivotas.