Qualquer guia de Praga minimamente competente inclui um percurso pela cidade com uma série de paragens inspiradas na vida e na obra do mais famoso dos seus escritores, Franz Kafka, o autor de O Processo. Qualquer turista chegado à capital checa sabe que ele estará por toda a parte em t-shirts e canecas, nomes de cafés e restaurantes, ruas e jardins. O que muitos poderão não saber é que Kafka, que raramente deixou Praga – viveu em casa dos pais até aos 31 anos (morreu aos 40), sublinham alguns textos biográficos – apesar de se sentir sempre um estranho na cidade, planeou escrever guias de viagem bastante inovadores para a época.
Quem o garante é Reiner Stach, no terceiro e último volume de Kafka, a sua monumental e aclamada biografia sobre o escritor Franz Kafka (1883-1924). Inovadores porque o autor de O Castelo queria que os seus guias não se limitassem a fornecer aos potenciais interessados listas de hotéis e restaurantes a frequentar, mas que estivessem recheados de dicas só acessíveis aos verdadeiros conhecedores de um lugar, aos que, de facto, o tivessem experimentado. E dicas que lhes permitissem poupar algum dinheiro.
Escreve o diário britânico The Guardian que algumas das perguntas a que estes guias deveriam dar resposta, segundo o “plano de negócios” que Kafka concebeu para esta colecção dedicada a vários destinos europeus que haveria (assim acreditava) de fazer dele um homem rico, continuam bastante actuais: Em que dias é que os museus têm bilhetes a preços reduzidos? Há concertos à borla pela cidade? E quanto é que é suposto deixar de gorjeta?
Estas e outras preocupações constam hoje de um qualquer guia Lonely Planet ou American Express (para nomear apenas dois dos mais populares), seja qual for o destino. E porque a Europa em que Kafka viajava era a Europa de há mais de 100 anos, o escritor propunha-se indicar onde é que o turista podia encontrar espectáculos eróticos e até um parceiro sexual por um preço justo. O preço era, de facto, uma das suas preocupações.
Explica Reiner Stach que esta ideia dos guias low cost surgiu em 1911 quando o escritor estava precisamente a viajar pela Europa com o seu amigo Max Brod, escritor e compositor alemão que viria a ser também seu biógrafo e executor testamentário. O escritor a quem se deve uma das novelas mais celebradas do século XX – A Metamorfose – terá tido a ideia ao constatar, num périplo pela Suíça, pelo Adriático e pelas cidades do norte de Itália, que havia muita informação útil sobre os lugares que não estava acessível, o que por vezes chegou a inviabilizar os planos dos dois amigos. “Eles sabiam bastante, mas com frequência não sabiam o que deviam de saber”, escreve o autor de Kafka: The Early Years (assim se chama o terceiro volume da biografia).
O plano de Kafka (e de Max Brod) – detalhado num documento de cinco páginas que guardava religiosamente com medo que alguém lhe roubasse a ideia – acabou por não passar do papel, por mais ambicioso que fosse (cada volume deveria incluir, por exemplo, um guia de conversação, algo de absolutamente moderno para a época). Diz Stach que ficou pelo caminho, muito provavelmente, porque Kafka e Brod, em toda a sua arrogância, se recusaram a mostrá-lo a um editor sem que este estivesse disposto a fazer-lhes um adiantamento antes mesmo de conhecer o que se propunham publicar.